Entrevista com a Organização Comunista da Alemanha

Por Pelo Anti-Imperialismo, via KO, traduzido por Giovanna Franchini

O blog “Pelo Anti-Iimperialismo” realizou uma entrevista com a Organização Comunista da Alemanha em abril de 2019. A seguir, está disponível a ata da entrevista com as perguntas realizadas pelo blog (em negrito) e as respostas da organização.

A Organização Comunista (Kommunistische Organisation, KO) foi formada recentemente, em junho de 2018. O que foi necessário para formar uma nova organização comunista? E por que não escolheram formar um partido?

Muitos de nossos membros fizeram parte do Partido Comunista Alemão (Deustche Kommunistische Partei, DPK) e de sua organização da juventude (Sozialistische Deustche Arbeiterjungend, SDAJ), até que uma fração minoritária de ambas as organizações decidiram se separar em 2017. Junto com outros comunistas, formamos a Organização Comunista em junho de 2018.

Antes disso, nós tentamos dialogar com a DPK e SDAJ sobre vários pontos cruciais no que tange a reconstrução do movimento comunista e da causa operária na Alemanha. Nós aprimoramos nossa crítica acerca da estratégia de “democracia anti-monopolista”, estratégia esta que o DPK tem aplicado desde a sua formação em 1968, e apresentado a necessidade de avançamos a um estágio intermediário na luta pelo socialismo. Nós enfatizamos a importância deste debate, porque acreditamos ser de extrema relevância para a nossa luta. Acreditamos que o socialismo precisa ser posto como uma meta intermediária do partido comunista, uma vez que a experiência histórica nos demonstrou amplamente que todos os conceitos acerca da atuação de partidos comunistas na democracia burguesa são fundamentados em ilusões e levam a classe trabalhadora à derrota.

A experiência nos mostra, também, que palavras de ordem como “a esquerda deve se manter unida”, e a colaboração particular de comunistas para com a social democracia em todas as suas formas, não levam a um fortalecimento do nosso movimento – muito pelo contrário! Tem contribuído com a desorientação de nossa causa e enclausurado os trabalhadores em mentiras. 

Mas também há outras questões: nós acreditamos que o partido comunista precisa ser organizado de acordo com as prioridades da luta de classes. A complexidade das tarefas que enfrentamos em nossa luta pela reorganização do movimento operário nos espaços de trabalho e nas vizinhanças só poderá ser superada apenas por uma organização operária, revolucionária, disciplinada e eficiente, com um alto nível de consciência política, e que esteja em contato direto com a classe trabalhadora e as massas populares. Portanto, o partido comunista precisa ser gerido para conquistar, organizar e educar as mais avançadas camadas da classe trabalhadora e demais estratos sociais. Isso é incompatível com a ideia de que, devido à “fraqueza do movimento”, temos de aceitar qualquer um nas linhas do partido e dar o mínimo de atenção (como tem sido dada) à formação político-ideológica de núcleos comunistas formados pela maior parte dos grupos marxistas na Alemanha. 

Então podemos dizer que tentamos avançar essa e outras questões com o DPK e a SDAJ por anos. Nós percebemos, porém, que a maior parte dos membros e as próprias lideranças de ambas organizações não estavam verdadeiramente interessados neste debate. Portanto, as chances de alcançarmos uma correlação de forças que poderia recuperar o movimento comunista de sua crise política, ideológica e organizacional entre as organizações existentes eram praticamente zero. Por isso, formar uma nova organização se tornou imprescindível. 

A KO está trabalhando para dar início a um processo de esclarecimento no debate científico acerca de todas as controvérsias que o movimento comunista enfrenta, e para começar a reorganizar o trabalho comunista com a classe trabalhadora em uma base científica. Em outras palavras: estamos empenhados em reunir o socialismo científico com o movimento operário.

No atual momento, acreditamos que ainda não atingimos as condições necessárias para a formação de um partido comunista na Alemanha. Claro que poderíamos nos autointitularmos como um partido comunista desde o princípio, mas então estaríamos usando o termo “partido comunista” sem honrar o seu devido significado. Para que possamos escrever o programa de um partido comunista, é necessário que tenhamos um grau mínimo de unidade ideológica, baseada na aplicação do Marxismo-Leninismo na atual conjuntura. Primeiro que várias questões precisam ser atendidas e estudadas com calma. E não se deve se chamar de “partido comunista” se você não tiver estabelecido, ao menos, a base fundamental de seu trabalho de massa e de sua intervenção política na classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, é claro, nós deixamos muito bem claro que a KO serve o propósito de prepararmos essas mesmas condições para a fundação de um futuro partido. Essa não é a nossa tarefa de hoje, mas esperamos, e acreditamos, que será possível daqui a poucos anos.

Você fala a respeito da “necessidade de um processo de esclarecimento”. O que quer dizer com isso?

De acordo com as nossas análises, a crise do Movimento Internacional Comunista só persiste há algumas décadas porque algumas questões fundamentais dentro do campo político e ideológico não foram propriamente atendidas. Palavras de ordem ilusórias e orientações estratégicas como a participação comunista em um governo burguês, a ideia de “frentes amplas” com burgueses como uma oportunidade de fortalecimento político, a noção de que a Rússia é um Estado anti-imperialista, ou que a China é um socialismo em desenvolvimento… tais ideias minam a credibilidade dos partidos comunistas e sua habilidade de permear a classe trabalhadora e propor soluções para seus problemas. É por isso que, para nós, a necessidade de um esclarecimento ideológico é de extrema importância. Mesmo que nossa organização seja formada parcialmente por uma separação, nós de fato visamos a união entre comunistas, mas a união só pode ser fundamentada em visões em comum acerca de questões cruciais. Caso contrário, manteria-se puramente uma união formal, com forças separadas em uma estrutura organizacional em comum, mas não seria a formação de uma verdadeira força política coerente, capaz de focar seus recursos na reorganização do movimento dos trabalhadores.

Nosso processo de esclarecimento é um debate aberto, onde todos estão convidados. Não temos medo de debater abertamente nossas teses e propostas, e tampouco acreditamos que uma discussão aberta com outras forças políticas poderiam nos levar à adoção de posições errôneas, mas sim nos forçaria a afiar nossos próprios argumentos e promover união àqueles que estão realmente buscando por respostas.

Então, quando dizemos que é um processo aberto para debates, não dizemos que não temos nossas próprias posições. Claro que é impossível construir uma organização forte sem uma fundação programática em comum. Em nosso congresso fundacional, nós estipulamos nossas Teses Programáticas, onde nossas posições e algumas questões em aberto para o processo de esclarecimento foram apresentadas. Então, para nós, todo este processo está ocorrendo sobre essas premissas, e se alguém quiser se juntar ao KO, obviamente terá de concordar com as nossas Teses Programáticas. Mas isso não significa que se você não concordar, não poderá participar do nosso processo de esclarecimento.

Este processo que mencionamos é sustentado por grupos que têm estudado grandes temas abrangentes, como: fundamentos científicos; economia política do imperialismo; movimento revolucionário dos trabalhadores e do partido comunista; o Estado, facismo e social-democracia; sociedade socialista; análise de classes; imperialismo alemão. Ao longo dos últimos meses, esses grupos têm coletado dezenas de debates e questões acerca da divergência que existe no movimento revolucionário e comunista dos trabalhadores. Nós apresentamos esses debates de forma geral, abordamos a literatura e apontamos as questões que nós teremos de resolver. Esse resultado é a imensa coleção de conhecimento, que é tanto a fundação do nosso processo de esclarecimento, como o aparato científico que temos de desenvolver. Nós publicamos esse resultado em uma plataforma online (em alemão: https://wiki.kommunistische.org/index.php?title=Hauptseite), onde todo o conteúdo é de fácil acesso, e é facilitado o alcance do debate sistemático. Então, desde nossa fundação em junho de 2018, nós demos grandes passos, e continuaremos a trabalhar nessa direção.

Você poderia descrever a atual situação da classe trabalhadora na Alemanha?

Antes de mais nada, o padrão de vida da classe trabalhadora e das massas ainda é maior do que em qualquer outro país da União Europeia, e maior parte dos países do mundo todo. Isso é devido a inúmeros fatores: de um lado, a burguesia alemã e seu Estado foram forçados a aumentar o padrão de vida, salários e direitos dos trabalhadores durante o período da existência da República Democrática Alemã (RDA), uma vez que o Estado popular apresentou uma alternativa à barbárie capitalista que os trabalhadores da República Federal Alemã (RFA) viviam.

Por outro lado, o Estado alemão capitalista teve uma imensa experiência com a política de “dividir e comandar”: o uso de “lucros extras” tornou possível a pacificação de uma imensa parcela da classe operária industrial e, deste modo, enfraquecer o movimento dos trabalhadores. Ainda por cima, existe uma aristocracia dentro da própria classe trabalhadora, além de uma parte da classe trabalhadora que, constituída principalmente por trabalhadores imigrantes desde a anexação da RDA e de alguns do leste alemão, que tem um péssimo padrão de vida desde então. 

Após a anexação da RDA e da apropriação predatória de sua propriedade socializada, a burguesia alemã ganhou acesso exclusivo a um novo mercado e força de trabalho. Também, não havia mais a necessidade de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora, uma vez que a ameaça da RDA deixou de existir. A burguesia começou, então, um ataque sem precedentes aos direitos da classe trabalhadora e sua qualidade de vida. A reforma do sistema de segurança social no começo do século XXI, conhecido como “Agenda 2010” ou “reformas de Hartz”, foi um grande passo à pauperização da classe trabalhadora e, desde então, há cada vez mais ataques brutais à classe trabalhadora, ano após ano.

Seria demais tentar descrever cada um dos ataques agora, e, analisar e entender a exata situação da classe trabalhadora alemã, é uma, se não “a”, etapa importante do nosso processo de esclarecimento político. Para se ter uma noção, nos permita exemplificar algumas das principais rupturas na classe trabalhadora na Alemanha:

  • A ruptura entre homens e mulheres: a Alemanha tem uma das mais abismais desigualdades de gênero se comparada com demais Estados da UE: a distância salarial entre homens e mulheres gira em torno de 21%; 
  • A ruptura entre trabalhadores da RFA e dos antigos territórios da RDA: as remunerações nas regiões que uma vez foram da RDA são consideravelmente menores que as regiões da RFA, assim como o padrão de vida; 
  • A ruptura entre trabalhadores alemães e imigrantes: o número de crianças de famílias trabalhadoras imigrantes que não conseguem se formar nas escolas é bem mais alto do que as crianças de famílias trabalhadoras alemãs;
  • A ruptura entre trabalhadores de período integral, com contratos estáveis e todos os tipos de trabalhos flexíveis, especialmente o trabalho temporário: com o inegável apoio das forças sociais-democráticas dentro dos sindicatos, o número de “ambientes atípicos”, “descontraídos” têm crescido absurdamente. Agora, cerca de 40% dos trabalhadores ativos ou estão em regimes de trabalhos temporários, meio-período ou assinam curtos períodos de contrato. Isso consta em todas as áreas da economia, e em uma imensa parcela de trabalhadores no Estado.

Educação, saúde, salários, moradia e preço de alimentos — todas essas áreas, às vezes, pioram de forma gradual, às vezes, de forma rápida. E o movimento dos trabalhadores está enfraquecido demais, fragmentado demais e politicamente desorientado para defender a classe trabalhadora contra os ataques frequentes da burguesia.

Dada a atual situação da classe, quão forte é o movimento dos trabalhadores na Alemanha? Qual é a correlação das forças dentro do movimento e qual é o papel da Confederação Geral dos Sindicatos da Alemanha (DGB)?

Conforme nós descrevemos em nossas teses programáticas, o movimento dos trabalhadores na Alemanha tem estado na defensiva por várias décadas. A contrarrevolução à RDA não somente destruiu a vida e a esperança de milhões, como também fragmentou a luta dos trabalhadores na RFA. Centenas de milhares deixaram os sindicatos, e milhares deixaram o DPK. Mas seria errado dizer simplesmente que a fraqueza do movimento dos trabalhadores se deu por conta da contrarrevolução. Poderíamos dizer que a contrarrevolução foi um salto qualitativo, mas a verdade é que foi o resultado de um enfraquecimento gradual do movimento dos trabalhadores nas décadas anteriores. A DGB vê seus sindicatos como “sindicatos unitários”. Eles simplesmente não enxergam o fato de que comunistas, sociais-democratas e demais outros são parte desses sindicatos e atuam por meio deles. Eles também estão convencidos de que a RDA foi formada por um acordo em comum entre comunistas e sociais-democratas, baseado na “lição que os comunistas aprenderam com sua derrota pelo fascismo”. Claramente não é verdade. A RDA foi, desde o início, um projeto de social-democracia para impedir as tentativas de unificação do movimento dos trabalhadores, liderado pelo Partido Comunista da Alemanha (DPK) – a fundação da Associação Livre de Sindicatos da Alemanha (Freier Deutscher Gewerkschaftsbund, FDGB) na zona ocupada pelos soviéticos. Por isso, o primeiro conselho executivo da RDA era composto exclusivamente por sociais-democratas, e até mesmo por um pequeno núcleo fascista.

Os comunistas, na verdade, nunca puderam desafiar substancialmente a correlação de forças políticas entre os sindicatos após a II Guerra Mundial. É uma tarefa primordial, tanto para o nosso processo de esclarecimento, como uma pré-condição para o sucesso da reorganização do movimento dos trabalhadores na Alemanha, nós analisarmos e entendermos as razões por trás dessa negativa correlação de forças. Assim como o movimento dos trabalhadores na Alemanha não é separado do resto do mundo, e podemos observar desenvolvimento similar em outros países, nós sugerimos que os direcionamentos errados em termos de estratégia da Internacional é um dos principais fatores. Outro fator crucial é a história dos sindicatos alemães, e sua relação de longa data com o Estado capitalista. Sem um entendimento acerca da estrutura exata, e o funcionamento dos sindicatos na Alemanha, nós não teríamos como expor o papel da social-democracia e propor uma mudança na correlação de forças políticas dentro da luta dos trabalhadores. E, é claro, o movimento comunista na Alemanha também sofreu um golpe pesado pelas perseguições sobre o fascimo — depois da II Guerra Mundial, o movimento foi severamente enfraquecido, e não pôde restaurar sua influência nos sindicatos.

Por outro lado, o domínio da social-democracia dentro do movimento trabalhista, e sua corrupção a favor da conciliação de classes, levou os trabalhadores à alienação do sindicalismo. Hoje em dia, apenas um sexto dos trabalhadores na Alemanha são organizados em sindicatos. Isso fica ainda mais claro quando colocamos uma lupa sob a realidade dos trabalhadores imigrantes, os trabalhadores “flexíveis” e desempregados, que não fazem parte de sindicatos, e tampouco se sentem representados por eles. 

De modo geral, podemos dizer que a classe trabalhadora na Alemanha, principalmente na Alemanha Ocidental, perdeu a memória de sua heróica tradição. Não existe nenhuma organização independente da classe trabalhadora, seja na cultura, nos esportes, ou na própria vizinhança. O que significa que muitos dos trabalhadores ou fazem parte da pequena burguesia, ou o Estado burguês que comanda clubes esportivos, organizações culturais, entre outros; ou, também, que a classe trabalhadora não tem acesso a nenhum espaço social a não ser a que suas próprias famílias proporcionam. 

Qual é a sua abordagem prática em organizar a classe trabalhadora?

Nós estamos tentando desenvolver um trabalho de massas por meio da base de nossa organização, o qual seu foco é a classe trabalhadora. Nós acreditamos que a tarefa dos comunistas é de organizar a classe trabalhadora em seus espaços de trabalho, mas não somente nesses espaços. Trabalhadores não apenas têm necessidades econômicas, mas também sociais e culturais, por exemplo. Eles não apenas trabalham em algum lugar, mas vivem em algum lugar. Seus problemas estão concentrados não somente em seu espaço de trabalho, mas em seus bairros. Partindo de uma experiência prévia, é muito difícil construir células “de fora” das fábricas sem termos um número considerável de camaradas trabalhando nelas, uma vez que não focamos todo o nosso tempo e energia para realizar um trabalho político nos ambientes de trabalho e dos sindicatos. Esses camaradas têm a possibilidade de realizar esse feito nesses espaços. Nós estamos, de maneira coletiva, coletando suas experiências e avaliando de que maneira poderemos desenvolver, no futuro, uma abordagem coerente a respeito dos problemas da organização nesses ambientes de trabalho, assim como nos sindicatos e no sistema representativo dos trabalhadores da Alemanha. Sem sombra de dúvidas, a organização dos trabalhadores em seus ambientes de trabalho é, estrategicamente, a tarefa mais importante na luta de classes.

Ao mesmo tempo, estamos desenvolvendo um trabalho de massa nos bairros da classe trabalhadora, que temos um acesso muito mais fácil do que em seus ambientes de trabalho. Esse trabalho de base pode tomar várias formas, sempre de acordo com as necessidades das pessoas que estamos tentando organizar. Podemos criar clubes de esportes para os trabalhadores, organizar atividades culturais, promover a ajuda mútua e aconselhar nos problemas que a classe enfrenta diariamente, protestar contra o aumento dos preços de aluguel, tomar a iniciativa em solidarizar com a Palestina, contra o racismo, e assim vai.

O mais importante dos princípios para esse tipo de trabalho, é que precisa seguir uma linha consistente em defender os interesses da classe trabalhadora contra o capital, e precisa ser feito de maneira completamente independente e democrática. Esse ponto de vista é extremamente crucial: nós queremos que os trabalhadores se organizem e mantenham-se ativos por si próprios. As organizações que são formadas nessa luta deveriam ser independentes do Estado, tanto politicamente quanto financeiramente, à parte dos partidos e instituições burguesas. Mas também deveria ser independente de nós mesmos! Não queremos pseudo-organizações de massas que são apenas linhas de transmissão camufladas de um partido comunista, ou de nosso caso da KO. Claro, uma vez que não há tantas organizações de massa independentes, o trabalho de iniciá-las acaba sendo nosso. Mas uma vez que a meta é radicalizar e organizar o máximo de trabalhadores possível, essas organizações precisam ser estritamente democráticas. Estamos partindo do princípio de que, como comunistas, nós não escondemos nossas visões políticas e nossas metas, apesar de haver situações nas quais precisamos agir com cuidado, como é o caso nos sindicatos. Mas não impomos nossas metas por meio de ações administrativas. Aceitamos a possibilidade de uma decisão democrática ser tomada em uma organização de classes que achemos errada. Isso também reflete nossa visão de que, em uma revolução proletária, será a classe trabalhadora a tomar o poder, e não o partido comunista. Claro que, sem o papel de liderança do partido na luta de classes, a revolução não será possível. Mas essa é outra questão.

De acordo com o entendimento leninista acerca do papel vanguardista dos comunistas, nós tentamos alcançar uma linha de luta anticapitalista e antiimperialista em todas as organizações de massa e frentes da luta, mas nós queremos alcançar isto por meio da experiência coletiva, de nossa abordagem científica para todos os problemas da classe trabalhadora e pôr em prática um papel de liderança de nossos quadros.

O que também significa que nossa abordagem para as alianças políticas é um pouco diferente da abordagem de todos os outros grupos políticos da Alemanha. Normalmente, não estamos tentando construir alianças com outras organizações. Na verdade, entendemos essa visão de aliança política um tanto problemática. A noção de que o movimento comunista ganhará força simplesmente por uma questão numérica de adição de forças, de diferentes grupos, é um tanto errada. Como dito anteriormente, nós não somos contra a união, muito pelo contrário. Mas a força é construída a partir de um esclarecimento ideológico, e uma abordagem correta do trabalho de massas. Nós também nos opomos à noção de que alianças entre diferentes grupos políticos deve ser baseada em um denominador comum. Não podemos, por exemplo, formar uma aliança com o “partido de esquerda” da Alemanha, baseado simplesmente no fato de que eles se dizem ser contra a guerra. Porque, uma vez que olharmos mais de perto para o papel que eles prestam, nós veremos que sua rejeição à guerra é rasa e sem fundamentos, enquanto eles apoiam a União Europeia imperialista e ainda se recusam a tomar uma clara posição a respeito da OTAN. Fazendo isso, nos aliarmos a eles, não poderíamos expor suas controvérsias, exatamente por arriscarmos nossa suposta aliança. É por isso que essa política de alianças, em prática, é oposta à essência comunista da tarefa de se contar a verdade ao povo.

Resumindo, nós temos uma política de aliança, mas são alianças que são construídas nas bases, na classe trabalhadora, e não pela liderança intelectual e administrativa de grupos e partidos políticos. Nós estamos apenas salientando nossa abordagem aqui, mas essas questões serão o principal foco do nosso próximo congresso internacional em julho.

Quão importante é o internacionalismo proletário para a KO?

O movimento comunista sempre foi um movimento internacional. Ele não pode existir de outra maneira. Nós rejeitamos a ideia de que as peculiaridades nacionais de comunistas de todos os países os forçam a encontrar cada um seu caminho. Claro que é errado copiar as posições de outros partidos, sem levar em consideração as circunstâncias de seu próprio país. Mas acreditamos que o imperialismo é um sistema global, e a classe trabalhadora possui o mesmo inimigo em todos os lugares. O que torna as situações de diferentes países suscetíveis a comparações. Portanto, os partidos comunistas não somente deveriam se esforçar para coordenar suas ações, mas também discutir suas respectivas visões e análises, com a meta de atingir uma grande união política e ideológica. Acreditamos que a fundação da Internacional Comunista em 1919 foi uma grande conquista, ao passo que sua dissolução em 1943, assim como a dissolução da Cominform em 1956, foram graves reveses para o movimento comunista internacional, nos privando da estrutura necessária para desenvolver uma abordagem estratégica em comum para a luta contra o imperialismo, de modo que deixou o movimento mais vulnerável a influência do oportunismo. A reconstrução de uma nova internacional comunista deveria ser um objetivo de longa data dos comunistas, não importa o quão distante essa possibilidade pareça ser agora. Para nos aproximarmos dessa meta, acreditamos que um debate aberto e honesto entre partidos comunistas, baseados, é claro, na solidariedade internacional, é necessário hoje.

Então, é claro que estamos em firme solidariedade com trabalhadores e comunistas de todo o mundo. Tentamos analisar importantes desenvolvimentos em outros países, e tomar posição para eles. Nos últimos meses, publicamos nossas posições em questões como a guerra no Iêmen, o conflito sino-americano, até mesmo o atual desenvolvimento político no Brasil, além das questões entre Israel e Palestina, França, Nicarágua e Venezuela. Nossa linha política, em todas essas questões, é que temos que levar em consideração os interesses da classe trabalhadora, e as urgências em um confronto internacional contra o imperialismo. Usamos nossos textos para entrar em contato com as pessoas, e prover uma base para discussões políticas de diferentes formas. Ainda não somos capazes de comentar sobre todos os desenvolvimentos relevantes em níveis nacionais e internacionais, mas essa é uma das nossas metas. 

E, obviamente, quando tivermos nosso partido formado, buscaremos construir relações com o movimento internacional comunista. 

Mas mesmo agora, todos os esforços para reconstruir o movimento internacional comunista são bem-vindos, como por exemplo o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (IMCWP, a sigla em inglês) e os Encontros das Organizações Europeias da Juventude Comunista (MECYO, em inglês).

O Partido Social-Democrata (SPD) alemão é o coração da social-democracia mundial, e a fundação Friedrich Ebert carrega o nome do assassino de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, e o destruidor dos alemães soviéticos. Foi na sede da fundação Ebert que o Partido Socialista Português foi fundado e “financiado” para destruir o levante revolucionário em Portugal na década de 1970. Ainda assim, os trotskistas difamam o Partido Comunista da Alemanha (Kommunistische Partei Deustchlands, KPD em alemão) ao dizerem que os comunistas teriam prevenido a ascensão dos nazistas se eles tivessem se aliado ao SPD. Quais são as suas visões nessa questão, tanto em termos históricos como nas atuais circunstâncias?

A luta anti-fascista do DPK é uma referência importante para nós. Desde o 7º Congresso da Comintern em 1935, e principalmente desde o fim da guerra em 1945, o movimento comunista na Alemanha adotou a narrativa de que a “falha” dos comunistas em se aliar com a social-democracia durante a República Weimar foi um imenso erro sectário, que possibilitou o fascismo a tomar o poder. Então, não são somente os trotskistas que têm essa perspectiva. A social-democracia por si só, é claro, promove uma narrativa parecida, ainda que muito mais extrema, alegando que os comunistas são os verdadeiros responsáveis pela vitória do nazismo, uma vez que eles preferiram atacar a democracia burguesa ao invés do fascismo. É claro que essa é uma mentira descarada, uma vez que os comunistas foram a única força política durante a República Weimar a combater o fascismo em uma forma consistente, enquanto a SPD contribuiu para que ele alcançasse o poder.

Acreditamos que essa questão é complexa, e que merece muito estudo — algo que temos a intenção de realizar em alguns anos. Mas é muito claro que, até nos dias de hoje, esse relato histórico é cheio de falhas. A República Weimar foi formada pela colaboração entre a contrarrevolução e a liderança pró-monarquista da SPD, com as mais agressivas forças de reação, os então chamados Freikorps. Ao longo de toda a existência da República Weimar, a SPD fez tudo que estava a seu poder para prevenir que a classe trabalhadora se conscientizasse e criasse a ilusão de que o socialismo poderia, eventualmente, ser introduzido através de decisões parlamentares. A social-democracia reprimiu o movimento dos trabalhadores com selvageria, por exemplo, em maio de 1929, quando o presidente social-democrata da polícia, Karl Zörgiebe ordenou o massacre de 33 trabalhadores em Berlim. A Aliança dos Combatentes da Frente Vermelha (Roter Frontkämpferbund), uma organização revolucionária de massas de auto-defesa, foi banida pelo social-democrata ministro do interior, Carl Severing, enquanto a milícia fascista paramilitar Sturmabteilung (SA) foi intocada. No dia 1º de maio de 1933, já sobre a ditadura fascista, enquanto comunistas eram enviados aos campos de concentração, a liderança sindical social-democrata participou de uma marcha ao lado dos nazistas. Ainda que a contribuição da SPD à ascensão do fascismo era mais do que óbvia, o KPD avançou inúmeras propostas de criar uma frente de luta contra os nazistas. Eles foram completamente ignorados pela liderança da SPD. Então, a ascensão do fascismo não foi causada pelo “sectarismo” comunista, mas pelo conluio formado pelos partidos burgueses e sociais-democratas com o fascismo, e sua defesa consistente da exploração capitalista. Isso não quer dizer que os comunistas não cometeram erros táticos. Em extensão aos erros que eles cometeram, por exemplo, sua aproximação aos trabalhadores sociais-democratas, têm de ser estudados. Mas não concordamos com a versão propagandista anti-comunista da história.

O relacionamento entre o fascismo e a social-democracia precisa ser estudado com respeito à atual situação que vivemos também. Acreditamos que a ascensão de forças racistas, nacionalistas e até mesmo abertamente fascistas ao longo da Europa, um deles sendo o partido Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland, AfL a sigla em alemão), deve ser entendido no contexto do desenvolvimento capitalista e das políticas burguesas. Sociais-democratas têm sido a vanguarda das estratégias do imperialismo. Foi a SPD, junto do Green Party, que introduziu as reformas da Agenda 2010, as quais lançaram a classe trabalhadora à uma pobreza permanente. Foi a liderança sindical social-democrata que permitiu que o capital espalhasse condições precárias de trabalho, e criasse um imenso setor de baixa renda, composto por milhões de trabalhadores. É o Die Linke (Partido de Esquerda), segundo partido social-democrata da Alemanha, que participou dos ataques contra a classe trabalhadora em vários governos regionais. Todas essas ações contribuíram à tomada da extrema-direita do povo, os únicos a protestar livremente contra os atuais partidos. A social-democracia vender ilusões e trair “seus clientes”, e o fascismo explorar a desilusão e as aflições das seções menos representadas da pequena burguesia e da classe trabalhadora, são dois lados de uma mesma moeda.

Quais são suas visões no que diz respeito a República Democrática Alemã (RDA)? A República Federal Alemã (RFA) tem alguma relevância em seu trabalho político?

Dizemos que a RDA foi a maior conquista do movimento trabalhista alemão. Era um Estado onde a exploração do homem pelo homem foi abolida. Os donos de terra, grandes industrialistas e bancos, os pilares sociais do regime nazista foram expropriados e os principais meios de produção se tornaram propriedade do povo. Os criminosos nazistas foram removidos de todas as suas responsabilidades, enquanto que a Alemanha Ocidental manteve grande parte de suas posições e ajudou a reconstruir o exército, a polícia, cortes e serviços secretos do imperialismo. O desemprego, a falta de moradia e a miséria eram desconhecidos pelo povo da RDA. O governo buscou empregar uma política externa internacionalista ao apoiar lutas pela libertação no Vietnã, Nicarágua, Angola e demais outros países, sem precisar enviar tropas para lutar uma guerra em outro país. Claro que houveram erros e imprevistos, razões pelas quais precisamos analisar seu contexto histórico. Principalmente o papel de influências revisionistas no Partido Socialista, que precisa ser estudado. Mas isso não muda o fato de que a RDA era o nosso Estado, o Estado dos trabalhadores e camponeses, dos alemães comunistas e dos combatentes da resistência anti-fascista que sofreram nos campos de concentrações, os que lutaram na Espanha entre 1936 e 1939, ou que ingressaram o Exército Vermelho na guerra para livrar sua terra natal do fascismo.

E isso tem relevância direta em nosso trabalho político. Quando você exerce seu trabalho de base com o povo, e conversa com ele a respeito da meta do socialismo, o tópico sempre volta à RDA ou à União Soviética. As pessoas querem saber o que os comunistas têm a dizer sobre isso. A mídia burguesa e o sistema de educação estão se esforçando enormemente para pintar uma imagem negativa da RDA, que é vista como uma brutal ditadura que fez com que o país inteiro se tornasse uma gigantesca prisão, espionando cada um de seus cidadãos incansavelmente. A RDA é tipicamente chamada de “segunda ditadura alemã”, igualando os horrores nazi-fascistas que causaram dezenas de milhões de mortes. Isso mostra que a classe dominante na Alemanha ainda teme o socialismo, o que explica o uso de todos seus recursos para envenenar a mente do povo com suas mentiras anti-comunistas escabrosas. Mas essa distorcida propaganda anti-comunista afeta muito mais as pessoas da Alemanha Ocidental do que a Oriental, uma vez que o povo tem sua própria memória, ou a de seus pais, sobre o socialismo, e eles próprios conseguem comparar a propaganda que é ensinada nas escolas, ou transmitidas pela mídia hegemônica. Na classe trabalhadora da Alemanha Oriental, a referência à RDA é geralmente positiva, e esse fato está ajudando nossas vertentes locais de lá a conversar com as pessoas a respeito do capitalismo e do socialismo.

Em 2019, também será o aniversário da fundação da RDA em 1949, assim como de sua contrarrevolução em 1989. Nos dias 5 e 6 de outubro, nós participaremos de várias contribuições em um congresso organizado pelo Partido Comunista da Alemanha (KPD), que é dedicado a esse assunto. Temos muito o que falar a respeito disso, então é claro que esse ano terá uma série de atividades e publicações com a nossa visão acerca do socialismo na RDA.

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