Política à sombra de titãs: o caso dos candidatos inseguros e sem personalidade

Por Marconi Severo, texto publicado originalmente via Pragmatismo Político e encaminhado pelo autor para publicação neste blog.

A forma como alguns candidatos político-partidários fazem sua campanha e tentam conquistar o apoio do eleitorado é a mais diversa possível. Ela abrange todos os níveis e contextos: do caráter sério e responsável, passando pela comédia e histeria, até o nível abjeto e finório, que visa aproveitar tanto a beleza física como a fama esportiva (mesmo que os candidatos sequer saibam que concorrem a cargos políticos que podem mudar a vida de muitos brasileiros). Estes mesmos, às vezes, estão alheios não somente ao seu eleitorado, mas a própria sociedade civil. Entretanto, uma outra avoenga modalidade se alastra: os parasitas.


A adjetivação, ainda que cruel, não é menor do que a provocação aos cidadãos brasileiros. Se, como apontam alguns estudos e evidências empíricas, os candidatos cômicos tais como atrizes pornográficas, comediantes, futebolistas, etc., perderam um pouco de credibilidade perante o eleitorado, esta outra modalidade persiste. O grupo composto pelos parasitas, os quais ficam à sombra de titãs, pode não repercutir tanto quanto a modalidade anterior. Entretanto, lhe ganha em termos de constância – e há razões que explicam isto, com exemplos genuinamente nacionais!

Observemos, por exemplo, grandes políticos que atuaram em nível regional ou nacional. Citemos aleatoriamente e, desconsiderando a corrente ideológica dos mesmos, os seguintes nomes públicos: Getúlio D. Vargas (1882-1954), João B. M. Goulart (1919-1976) e Leonel M. Brizola (1922-2004). Estes são, para todo efeito, titãs na política brasileira. E não por acaso, utilizamo-nos de exemplos com o devido afastamento histórico, para fins de não exaltar polêmicas ou paixões político-partidárias atuais (tema este tão caro em meio às verborragias e discursos de ódio que proliferam como um câncer maligno – e, ao mesmo tempo, com um duvidoso antídoto: um mito-salvador-da-pátria. Será?).

Quanto ao populismo clássico, um axioma deveras evidente refere-se à fama e ao consequente legado político destes titãs, uma vez que ainda inflamam o eleitorado brasileiro. Incrivelmente, isso ocorre até mesmo por meio de uma nostalgia de algo não-vivido (bem inflamada em discursos conservadores ou separatistas – aliás, estes últimos não merecem sequer que sejam mencionados, pois seria demasiada generosidade). O fato é que alguns políticos, geralmente parentes, partidários, oportunistas, etc., aproveitam-se do legado destes titãs e utilizam-no para escalar posições semelhantes àqueles. O problema é que nunca chegam lá, até mesmo porque “Brizola vive”.

Tal como uma parasita aloja-se em altos troncos de árvores, visando unicamente a luz solar e a sua seiva, são os políticos sem caráter próprio. Analogias à parte, temos que muitos candidatos não possuem um programa político próprio e que, consequentemente, forneça base para sua campanha. Assim como ocorre a qualquer político de viés populista, não há transmissão do seu capital político (legado) via herança, nem mesmo parental. É evidente que a popularidade de um determinado candidato está diretamente atrelada a si mesmo, e não há como repassar isto a outra pessoa. O populismo morre com o seu ícone.

Seguindo esta tendência, os parasitas políticos geralmente assumem uma estratégia isolacionista, a fim de não perder a sua frágil construção política autêntica – quando há alguma. Há também casos de dois ou mais parasitas se dizendo o “verdadeiro e autêntico descendente” de determinado titã e, não é difícil encontrarmos, até mesmo em família, posições totalmente antagônicas. Nestes casos, é preferível (e risível) um perfil sorumbático de meia-vida em suplências do que se perder em alguma eleição. Mas há parasitas ousados, que se apresentam nas eleições; só que como neto(a), filho(a), amigo(a)…

Ao que tudo indica a sombra destes (e tantos outros) titãs, parece ser mais cômoda. Não obstante, a relação suplência/eleito é ilustrativa deste cenário. A maior parte dos candidatos parasitários não consegue votos suficientes para elegerem-se e, se conquistam uma cadeira no Poder Legislativo ou Executivo, é através da suplência. Em outras palavras, como se não bastasse ficar à sombra de titãs d’outrora, estes candidatos, tal como uma criança levada, aparecem às luzes da ribalta sob a saia de sua mãe: sob a tutela de outro político – este sim, autêntico, com plataforma consolidada. Conscientes de sua incapacidade política, medida através dos votos (isto quando há votação, pois na ausência desta, ou não, há indicação), tais candidatos não hesitam em utilizar de recursos variados para “estarem à mostra”.

Exemplos não faltam. Podemos descrever esta montra com os seguintes casos: vídeos e fotos (com consentimento ou não) de viúvas; trechos constantemente repetidos dos discursos e obras dos titãs; publicações e opiniões em variados lugares que, quase sempre, evidenciam algum laço de parentesco ou herança política com algum titã. Pronto! Eis os atavios destes(as) finórios calhordas. Ademais, com um toque quase expressionista, podemos dizer que todos comungam de um mesmo axioma: não possuem algo que lhes seja próprio, mas sim, uma apropriação subjetiva de outro contexto (seja ele autêntico ou moldado conforme as necessidades atuais). Não seria de todo condenável uma analogia deste cenário com o capítulo XXIII de O Príncipe, de Maquiavel, no qual abordam-se os aduladores…

O que chama atenção aqui é uma política de agenda retrospectiva, baseada apenas no que fora feito naquele período, naquela conjuntura, por este ou aquele titã, algo de “fundamental para o Brasil”. Mas, em uma visão simples, indaga-se: é a mesma pessoa? É o mesmo contexto? Certamente não. Então o que sobra? A fama e a pompa. E com esta, um possível mercado eleitoral. Mas de apenas fama e pompa nem mesmo o ancien régime sustentou-se, quiçá em uma sociedade pluralista e dinâmica como a atual. Além de que, quem não possui personalidade (ou uma razão existencial, como diriam os existencialistas), serve apenas de títere.

Como tal, nada mais é do que uma personagem plenamente maleável, sujeita à Fortuna do gosto e sabor do escritor (ou do governante/político/empresariado que administra os rumos do enredo). Certamente esta consideração, a título de exemplo, lança um fulgurante raio de luz sob a espectral dúvida: por que o impeachment foi decisivo em relação à Dilma Rousseff, em 2016, e não atingiu (e insiste em não atingir) Michel Temer? Uma pista: apoio no Congresso Nacional. Um jogo de manipuladores e manipulados, cuja varinha de condão é representada pela chave do cofre (leia-se acesso privilegiado às emendas parlamentares).

Não é que seja de um todo condenável levar adiante importantes feitos e lutas de alguém que destacou-se politicamente alhures; não se questiona isto, de forma alguma. O que se questiona é (1) o total aproveitamento do passado de algumas personalidades influentes em sua época como uma forma de conquistar votos e (2) a consequente ausência de agenda do próprio candidato. Nós, enquanto sociedade brasileira (que não por acaso enfrenta um período político ímpar, no qual paira uma enfadonha e plúmbea bruma política sob o país), devemos ficar atentos para o que Maquiavel já dizia: aprender com as lições da própria História. Este modelo de candidatos(as) parasitários deve ser negativamente observado em cada pleito eleitoral. Ou estaremos, também, à sombra de titãs?

Incisivamente a sombra de uns e a falta de personalidade de outros não é a melhor opção, apesar de ser a mais cômoda, para alguns. Não é por acaso que ao optarmos pelo progresso econômico, político, cultural e, principalmente, social como a melhor alternativa, ter-se-á em longo prazo um verdadeiro “Brasil melhor”. E isto não é utópico, é concretizável; afinal, o que são os Estados da Europa setentrional senão um bom exemplo de consolidação democrática e combate à corrupção? Aliás, por falar nisto, a seleção de candidatos com plataforma autêntica é um bom caminho para, ao menos iniciarmos, uma nova forma de “ver e fazer” política no Brasil.

Logo, a sociedade civil, com valores verdadeiramente consolidados em relação à confiança nas instituições de um regime democrático, é a responsável direta por uma representação política justa e efetiva. Em um cenário político como o atual, no qual impera um colossal descrédito tanto nas instituições democráticas quanto nos representantes eleitos, o fato de acreditar em messias-salvadores-da-pátria com os seus exauridos e execráveis moralismos demagógicos é, sem sombra de dúvida, a pior escolha. Equipara-se em gênero, também, a falta de personalidades de muitos, pois, se não prejudicam ainda mais esta conjuntura, ao menos contribuem para a manutenção do status quo, na proporção ad aeternum. Ademais, o que é melhor? Ser apenas o/a “amigo(a)/neto(a)/sobrinho(a)/filho(a)/etc.”, de algum titã ou ter nome próprio? Qualquer pessoa que não seja oportunista, diligentemente, sabe a resposta.


* Marconi Severo é Cientista Social e Político e colaborou para Pragmatismo Político.

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