Capital, Ciência e Tecnologia: O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo contemporâneo

Por Raúl Delgado Wise e Mateo Crossa Niell, via Monthly Review, traduzido por Pedro Allemand Mancebo Silva

Compreender a forma como o capitalismo contemporâneo,  caracterizado de forma perspicaz por Samir Amin como uma era de monopólios generalizados, organiza as forças produtivas é crucial para entender as formas de dominação que definem o imperialismo de hoje e as metamorfoses profundas que afetaram o capital monopolista nas últimas três décadas. 1

O conceito de intelecto geral, desenvolvido por Karl Marx, é um ponto de partida útil para explorar a organização das forças produtivas. Tomemos como exemplo um dos sistemas de inovação mais “avançados” do mundo: o Sistema Imperial do Vale do Silício. Nossa análise busca não só revelar as contradições profundas da modernidade capitalista, mas também destacar as transformações significativas pelas quais o capital monopolista hoje passa. Longe de agir como força motriz do desenvolvimento das forças produtivas sociais, o capital se tornou uma entidade parasitária com uma função essencialmente rentista e especulativa. Esse sistema se apoia em uma estrutura institucional que favorece a apropriação privada e a concentração dos produtos do intelecto geral.


Capital, intelecto geral e o desenvolvimento das forças produtivas.

O capitalismo se caracteriza pela separação entre os produtores diretos e seus meios de produção e subsistência. Essa separação se deu violentamente na fase embrionária do desenvolvimento capitalista com o processo que Marx batizou de “assim chamada acumulação primitiva” (traduzida corretamente como assim chamada acumulação primária). Esse não é só um processo fundacional, ele se reproduz ao longo do tempo e é acentuado por meio de mecanismos cada vez mais sofisticados com o advento das políticas neoliberais. Ao ponto de David Harvey propor a categoria “acumulação por espoliação” em seu livro “O novo imperialismo” para se referir a esse fenômeno contínuo. 2

A separação entre o produtor direto e meios que Marx descreve nos capítulos 14 e 15 do primeiro volume d’O Capital é apenas formal. Nos estágios iniciais do capitalismo industrial, mesmo se os produtores diretos não fossem donos dos meios de produção — que eles consideravam propriedade alheia e uma força externa de dominação — eles mantinham algum controle sobre suas ferramentas de trabalho no processo de produção. Assim, a separação não foi completa até o surgimento da indústria em larga escala na segunda metade do século XX, que mudou radicalmente a situação. A produção de máquinas por máquinas — o uso de um sistema integrado de maquinário, uma totalidade de processos mecânicos distribuídos em diferentes fases e movidos por um motor comum — abriu o caminho para uma separação completa entre os trabalhadores e suas ferramentas. Isso trouxe as condições ótimas para uma segunda e mais profunda espoliação, relegando o trabalho a uma posição subordinada no processo produtivo e transformando o trabalhador em um apêndice da máquina. É digno nota, no entanto, que o uso dessa metáfora por Marx não significa que o produtor direto é incapaz de contribuir, eventualmente, com a realização de uma melhoria ou com uma inovação tecnológica. Vários exemplos históricos levam em conta essa possibilidade.

Ainda assim, em termos da teoria do valor, existe um movimento geral no sentido do predomínio do trabalho morto, objetificado na máquina, sobre o trabalho vivo — em outras palavras, uma prevalência da mais-valia relativa na dinâmica da acumulação capitalista. A emergência do maquinário e da indústria em grande escala significou que o capital conseguiu criar seu próprio modo de produção técnica como a fundação do que Marx concebe, no sexto (e não publicado) capítulo d’O Capital, como a subsunção real do trabalho ao capital; em outras palavras, o “modo especificamente capitalista de produção”. Como Marx escreveu “o significado histórico da produção capitalista surge primeiro aqui de forma surpreendente, precisamente pela transformação do próprio processo direto de produção e pelo desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho”. 3

Esse processo começou durante a segunda metade da primeira revolução industrial e se aprofundou ao longo da segunda revolução industrial (1870–1914), onde a ciência e a tecnologia aparecem como motores da produção, forçando o desenvolvimento conforme a assim chamada primeira globalização acontecia. Desde então, o crescimento do capital esteve diretamente associado ao desenvolvimento das forças de produção e da subsequente expansão do mais valor, principalmente na forma de mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, esse processo é marcado pelo aumento contínuo na composição orgânica do capital (relação entre capital investido nos meios de produção e investido na força de trabalho), onde “a escala da produção não é determinada de acordo com as necessidades mas, ao contrário, o número de produtos é determinado pela escala crescente da produção, que é prescrita pelo próprio modo de produção” 4. Essa contradição inerente ao modo especificamente capitalista de produção está relacionada, por sua vez, com (1) a tendência de concentração e centralização do capital que acompanha a dinâmica de acumulação e (2) a tendência concomitante ao empobrecimento absoluto da classe trabalhadora, naquilo que Marx entende como a lei geral da acumulação capitalista:

Quanto maior a riqueza social, o capital funcionante, a extensão e energia de seu crescimento e, portanto, a massa absoluta do proletariado e da produtividade de seu trabalho, maior é o exército industrial de reserva. As mesmas causas que desenvolvem o poder expansivo do capital também desenvolvem a força de trabalho a seu dispor. A massa relativa do exército industrial de reserva aumenta, então com a energia potencial da riqueza. Mas quanto maior o exército industrial de reserva em proporção à força de trabalho ativa, maior é a massa de uma população excedente consolidada, cuja miséria é inversamente proporcional a seu tormento no trabalho. Finalmente, quanto maior o crescimento da miséria no interior da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, maior o pauperismo oficial. 5

A tendência à total separação entre trabalhador e meios de produção se consolida naquilo que Victor Figueroa descreve em seguida:

A fábrica nos oferece a imagem de um centro de produção que não demanda consciência ou conhecimento sobre o processo produtivo do trabalhador… Como se a fábrica, sendo ela mesma o resultado da aplicação produtiva do conhecimento, demandasse que o conhecimento fosse desenvolvido fora e, por isso mesmo, independentemente dos trabalhadores que ela abriga, onde o trabalho imediato é, em tese, mero executor do progresso forjado separadamente pela ciência. 6

Em “Trabalho e Capital Monopolista”, Harry Braverman descreve essa fissura como parte essencial da revolução científica e tecnológica que separou o conteúdo objetivo e subjetivo do processo de trabalho.

A unidade de pensamento e ação, concepção e execução, braço e mente, que o capitalismo ameaça desde seu começo, agora é atacada por uma dissolução sistêmica empregando todos os recursos da ciência e várias disciplinas de engenharia nela baseadas. O fator subjetivo do processo de trabalho é realocado para um lugar entre seus fatores objetivos e inanimados. Aos materiais e instrumentos da produção é adicionada uma “força de trabalho”, outro “fator de produção”, e o processo é levado adiante pela gestão como único elemento subjetivo… Esse deslocamento do trabalho como elemento subjetivo do processo e sua subordinação como elemento objetivo no processo produtivo conduzido pela gestão é um ideal realizado pelo capital. 7

Diante dessas circunstâncias, derivadas da divisão técnica e social do trabalho inerente ao modo especificamente capitalista de produção, é necessário nos perguntar: como o capital, para além do trabalho imediato empregado na fábrica, organiza o desenvolvimento das forças produtivas? Que tipo de trabalhadores, universidades e centros de pesquisa participam desse trabalho? Qual o papel que o conhecimento social acumulado, ciência básica e aplicada desempenham? Que tipos de produtos tangíveis e intangíveis são gerados? Quais os mecanismos e mediações envolvidas na transformação de trabalho científico tecnológico em forças produtivas? Que tipo de lucro entra em cena e como eles afetam a dinâmica de distribuição social do excedente e de concentração e centralização de capital?

Embora Marx não tenha tratado desse tema explicitamente n’O Capital, no “Fragmento sobre as máquinas” dos Grundrisse, ele cunhou a categoria de intelecto geral e fez algumas considerações, na forma de notas, que trazem pistas importantes para nos ajudar a compreender o assunto.

A natureza não constrói máquinas, nem locomotivas, nem ferrovias, nem o telégrafo etc. São estes produtos da indústria humana: material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou da sua atuação na natureza. São órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força objetivada do conhecimento. O desenvolvimento do capital fixo (máquinas, por exemplo) revela até que ponto o conhecimento ou o conhecimento social geral se converteu em força produtiva imediata e, portanto, até que ponto as condições do processo da vida social mesma estão sob o controle do intelecto geral e remodeladas conforme ele mesmo. Até que ponto as forças produtivas sociais são produzidas não somente na forma de conhecimento, mas sim como órgãos imediatos da prática social, do processo da vida real. 8

Disso, podemos inferir que o capital fixo ou constante se condensa em trabalho material e imaterial passado (trabalho morto). O conhecimento social acumulado, então, é materializado nos meios de produção e se tornam forças de produção imediatas. Em outras palavras,

(…) intelecto geral é uma inteligência social coletiva criada por conhecimentos e técnicas acumuladas. Essa transformação da força de trabalho e a incorporação da ciência, comunicação e linguagem nas forças produtivas redefiniu completamente a fenomenologia do trabalho e o horizonte global da produção. O intelecto geral significa que a forma geral da inteligência humana se torna uma força produtiva na esfera do trabalho social global e da valorização capitalista. O poder da ciência e da tecnologia são colocados para trabalhar… Com o conceito de intelecto geral, Marx se refere à ciência e consciência em geral, isto é, o conhecimento do qual depende a produtividade social. 9

Com o advento da produção capitalista, uma nova e significativa divisão foi criada entre o que poderia se chamar de trabalho imediato e o trabalho científico-tecnológico. Enquanto o primeiro se desenvolve na fábrica, o segundo é levado adiante separadamente e sob formas diferentes, embora complementares, de organização, com ambos convergindo na função crítica do desenvolvimento capitalista: o aumento do mais-valor. Se o trabalho imediato está subsumido ao capital, o trabalho científico e tecnológico só pode, no limite, ser subsumido formalmente, se tornando o que Figueroa chama de oficina do progresso tecnológico para distinguir da forma como o trabalho imediato é organizado10. Ainda assim, a forma como o intelecto geral se estrutura, em sua busca por acelerar o desenvolvimento das forças produtivas, adquire grande modalidades cada vez mais complexas e sofisticadas, como é paradigmático no caso do Sistema Imperial de Inovação do Vale do Silício.

A crescente importância do trabalho imaterial para o processo de produção não implica uma “crise” da lei do valor, como sugerido por Antonio Negri11. De fato, implica que uma proporção crescente da mais-valia e do excedente social é capturado pelo capital e pelo Estado e redistribuído para atividades voltadas a promover o desenvolvimento das forças produtivas. Em outras palavras, o trabalho imediato e o trabalho científico-tecnológico se entrelaçam dialeticamente para alargar o escopo da valorização do capital por meio do aprofundamento da exploração. Nesse sentido, sob o prisma da teoria do valor, o intelecto geral contribui para aumentar a composição orgânica do capital com um poderoso objetivo: a apropriação de lucros extraordinários, comumente concebidos como rendas tecnológicas. Nesse aspecto, o filósofo equatoriano-mexicano Bolívar Echeverría especifica que existem

Dois polos de propriedade monopolista para o qual os proprietários capitalistas devem reconhecer direitos no processo de determinação do lucro médio. Baseado nos mais produtivos recursos e provisões da natureza, a propriedade da terra defende seu direito tradicional de converter o fundo global dos lucros extraordinários em pagamentos nesse domínio, em outras palavras: em renda da terra. A única propriedade capaz de desafiar esse direito ao longo da história moderna e que impôs seus direitos é o domínio mais ou menos durável sobre a inovação técnica nos meios de produção. Essa propriedade força a conversão de uma parte crescente do lucro extraordinário em um pagamento pelo seu domínio, uma “renda tecnológica”. 12

É notável que Echeverría agrupa a noção de renda tecnológica com a renda da terra — ou o excedente associado à propriedade de um bem monopolizável que não deriva do trabalho incorporado durante o processo de produção. Sob as novas formas de organização do intelecto geral, o capital monopolista se apropria do lucro por meio da aquisição de patentes, sem pressupor o investimento na promoção e desenvolvimento das forças produtivas, se comportando como um agente rentista.

Diferente do trabalho imediato, a subordinação do trabalho científico e tecnológico ao capital é extremamente complexa, especialmente porque o valor que o trabalho científico e tecnológico incorpora à produção não é imediatamente objetificado; ele é o produto e resultado do trabalho social expressado no mercado uma vez que novas mercadorias, novos processos de produção e novas formas de organizar o trabalho se concretizam. Pablo Míguez se refere a esse fenômeno não como uma “simples subordinação ao capital, mas uma relação independente com o tempo de trabalho imposto pelo capital, tornando mais difícil distinguir tempo de trabalho do tempo de produção ou de lazer”. 13

Da perspectiva da teoria do valor, o processo de valorização do trabalho científico e tecnológico é materializado na esfera da produção e circulação, mas na esfera da distribuição do capital valorizado, a mais-valia social que, mediada pela propriedade intelectual, é repassado na forma de uma renda. Nesse sentido, é importante enfatizar o papel dos Estados na distribuição do excedente social e promover a ciência básica e aplicada, apoiando universidades públicas e privadas, bem como centros de pesquisa. O estado também contribui na criação de instituições e políticas que permitem a apropriação privada das rendas advindas do intelecto geral. Essas instituições são cruciais para a dinâmica de acumulação e desenvolvimento desigual que caracterizam o capitalismo e o imperialismo contemporâneos.

A transformação do intelecto geral em uma força produtiva imediata, materializada em novas mercadorias e novas formas de organizar o processo de trabalho, demandam a mediação das patentes e dos sistemas de patentes. No modo de produção capitalista, a criação da propriedade intelectual por meio das patentes ou de sistemas de patentes ganham importância estratégica com relação ao controle e orientação das forças produtivas. Isso se torna um elemento chave tanto para a apropriação privada de produtos que emanam do intelecto geral como para a organização de sistemas de inovação. Nesse sentido, legislações nacionais e internacionais de patentes constituem um mecanismo que permite a privatização e mercantilização de bens comuns, inibindo inovações potencialmente benéficas para a sociedade14. Por exemplo

Os mecanismos legais para a apropriação privada de trabalho tecnológico e científico, com as patentes como parte nodal da reestruturação dos sistemas de inovação, se tornam peças básicas para retenção de lucros extraordinários possibilitados pela regulação corporativa global sintonizadas com as políticas de estados imperialistas… Assim, o direito internacional funciona como parte central do controle do trabalho científico-tecnológico por meio dos acordos de propriedade intelectual e de regulamentação do comércio internacional. 15

Seguindo essa ideia, Míguez argumenta que, no capitalismo contemporâneo, “propriedade intelectual é reforçada porque é o único mecanismo que permite a apropriação privada de um conhecimento cada vez mais social em sua busca incessante para valorizar o capital”. 16

O desenvolvimento de forças produtivas no capitalismo contemporâneo — e o curso seguido pelo intelecto geral — não pode ser entendido separado da dominação contemporânea do capital monopolista. Essa fração hegemônica do capital — onipresente no capitalismo de hoje — encontra sua razão de ser na apropriação de lucros extraordinários e rendas tecnológicas por meio dos preços de monopólio, entre outros processos. Segundo Marx, a apropriação monopolista do lucro pelo preço se refere a preços que sobem acima do custo de produção e do lucro médio ao mesmo tempo, permitindo ao capital monopolista se apropriar de uma porção relativamente maior do excedente social do que seria possível nas condições de livre-concorrência.

Outro componente fundamental do capital monopolista, condição sine qua non para obter lucro, é a necessidade de manter vantagens duradouras sobre outros participantes possíveis em um ramo ou ramos onde opera. Tais vantagens podem ser naturais ou artificiais, dependendo da combinação de formas de lucro que, por sua vez, configuram práticas monopolistas. Uma dessas formas está relacionada ao desenvolvimento revolucionário das forças produtivas no capitalismo, como imaginado por Marx: a mudança tecnológica. Sobre esse assunto, Joseph A. Schumpeter — longe de identificar sua visão da mudança tecnológica com a proposta por Marx em O Capital — apresentou a existência de uma relação positiva entre a inovação e o poder do monopólio, argumentando que a competição por meio da inovação ou da “destruição criativa” é o meio mais eficaz de adquirir vantagens sobre competidores em potencial. Além disso, Schumpeter discute como a inovação é tanto um meio de adquirir lucros de monopólio e um método para mantê-los.

Deve ser notado, no entanto, que na perspectiva marxista, não existe identificação mecânica ou direta da mudança tecnologia com uma visão positiva de progresso. Ao contrário, sendo governado pela lei do valor e pela necessidade do capital de aumentar a acumulação, a mudança tecnológica não escapa das contradições da modernidade capitalista que, como enfatiza Echeverría, “leva por si mesma, estruturalmente, pela forma como o processo de reprodução social é organizado … à destruição do sujeito social e destruição da natureza onde esse sujeito social se afirma”. 17

A apropriação dos lucros monopolistas produzidos por meio da propriedade intelectual é acompanhada por uma profunda reestruturação dessa fração hegemônica do capital por meio de um processo de hiper-monopolização, onde formas adicionais de apropriação do lucro se destacam: 18

  1. A formação de redes globais de capital monopolista, conhecidas como cadeias globais de valor, por meio da expansão geográfica do poder corporativo e pela transferência de partes da produção, comercialização e serviços financeiros para países periféricos em busca de mão-de-obra barata19. Basicamente é um novo nomadismo no sistema global de produção baseado nos imensos diferenciais de salário que persistem entre o Norte Global e o Sul Global (a arbitragem global do trabalho). Essa estratégia de reestruturação, modificou profundamente a geografia global da produção, ao ponto de 70% do emprego global estar localizado atualmente em economias periféricas ou emergentes. 20
  2. O predomínio do capital financeiro sobre outras frações do capital21. Na ausência de investimentos lucrativos na esfera da produção devido à crise de superacumulação iniciada nos anos 1970, o capital começou a se mover em direção à especulação financeira, criando grandes distorções na esfera da distribuição do excedente social pela financeirização da classe capitalista, que levou a uma explosão do capital fictício — ativos financeiros sem contrapartida na produção material22.
  3. A proliferação do extrativismo por meio da monopolização e do controle da terra e do subsolo pelo capital monopolista23. Além de acentuar a dinâmica de acumulação por espoliação, a crescente demanda global por recursos naturais e energia levou à uma privatização sem precedentes da biodiversidade, dos recursos naturais e de bens comuniais, beneficiando mega-mineradoras e o agronegócio. Isso pressupõe a apropriação de lucros extraordinários na forma da renda da terra (mais valor não produzido) que se traduz em maior depredação do ecossistema, poluição, fome e doenças com severas implicações ambientais, incluindo o aquecimento global e a piora de eventos climáticos extremos que comprometem a simbiose entre a sociedade humana e a natureza24.

O predomínio e a metamorfose do capital monopolista sob a égide neoliberal trouxeram transformações profundas na organização dos processos de produção e trabalho. Essas transformações são estruturantes da geografia do sistema capitalista global, levando à queda do estado de bem-estar social, um aumento nas desigualdades e a emergência de uma nova divisão internacional do trabalho, onde a força de trabalho é a principal mercadoria de exportação. Isso, por sua vez, traz novas formas extremas de trocas desiguais e transferência de excedente da periferia para as economias centrais do sistema. Nesse contexto, a irrupção da revolução técnico-científica gerou novas formas de promover a criatividade científica e tecnológica, de organizar o intelecto geral em escala global e de se apropriar de seus produtos.

Desemaranhando o sistema imperial de inovação do Vale do Silício

Uma dimensão estratégica do desenvolvimento capitalista na era dos monopólios generalizados corresponde ao dinamismo extraordinário que o desenvolvimento das forças produtivas alcança por meio de uma taxa galopante de patentes. Assim, é vital compreender as características dos sistemas de inovação mais avançados de hoje, hegemonizados pelos Estados Unidos e georreferenciados no Vale do Silício, que opera como uma poderosa máquina de patentes e tem tentáculos em vários países periféricos e emergentes.

A arquitetura organizacional do intelecto geral desse terreno econômico complexo possibilita o controle corporativo sobre o trabalho científico e tecnológico de uma massa impressionante de trabalhadores intelectuais treinados em diferentes países do mundo, tanto em economias centrais como periféricas. Nesse sistema, uma gama de agentes e instituições interagem para acelerar a dinâmica da inovação, reduzindo os custos e riscos associados a inventores e empreendedores independentes — organizados por empresas embrionárias inovadoras conhecidas como startups — para serem capitalizados por grandes empresas via aquisição ou apropriação de patentes. 25

Algumas das características mais notáveis do sistema imperial de inovação do Vale do Silício são:

  1. A internacionalização e fragmentação da pesquisa e desenvolvimento (P&D) sob métodos “coletivos” de organização e promoção dos processos de inovação: peer to peer, economia do compartilhamento, economia dos comuns e crowdsourcing, por meio do que é conhecido como Open Innovation. Essas são formas de invenção científicas e tecnológicas produzidas fora das fronteiras das corporações multinacionais, que envolve a abertura e redistribuição espacial de atividades intensivas em conhecimento, com participação progressiva de parceiros ou agentes externos às grandes corporações como startups que operam como células privilegiadas da nova arquitetura inovadora, capital de risco, clientes, subcontratantes, headhunters, escritórios de advocacia, universidades e centros de pesquisa26. Essa nova forma de organizar o intelecto geral possibilitou uma permanente configuração e reconfiguração de redes de inovação sob um complexo tecido interinstitucional comandado em conjunto por grandes empresas multinacionais e o Estado imperial (ver tabela 1). É necessário notar que, nesse contexto, o trabalho científico e tecnológico desenvolvido pelas startups não é subsumido formalmente ao capital já que investidores não são empregados diretos de grandes corporações. A subsunção, então, é sutil e indireta, apoiada por um quadro institucional estabelecido pelo Tratado de Cooperação em matéria de Patentes e pela Organização mundial da propriedade intelectual (OMPI) e por um sofisticado ecossistema em rede que promove desenvolvimento coletivo de produtos que emergem como parte do intelecto geral em uma escala planetária e sua apropriação privada por meio de patentes e outros mecanismos proprietários mediados por firmas de advocacia, respondendo aos interesses de grandes empresas multinacionais. O resultado disso é que o conhecimento social acumulado, um impulso coletivo acelerado por redes de cientistas e tecnólogos, acaba em mãos corporativas por meio de mecanismos jurídicos. 27
  2. A criação de cidades como o Vale do Silício, nos Estados Unidos e novos “Vales do Silício” estabelecidos recentemente em áreas periféricas ou emergentes, principalmente na Ásia, onde sinergias coletivas são criadas para acelerar os processos de inovação. Como destaca Annalee Saxenian, é um novo paradigma georreferenciado que se afasta dos modelos antigos de pesquisa e desenvolvimento e abre caminho para novas culturas de inovação baseadas na flexibilidade, descentralização e incorporação, em diferentes modalidades, de novos e mais atores que interagem simultaneamente em espaços locais e transnacionais28. O Vale do Silício se tornou o pivô de uma nova arquitetura global da inovação, em torno da qual múltiplos elos periféricos se conectam para operar como uma maquiladora científica, localizada em regiões, cidades e universidades pelo mundo. Isso traz uma modalidade nova e perversa de intercâmbio desigual, por meio do qual o custo de formar e reproduzir uma força de trabalho altamente especializada envolvida na dinâmica da inovação científica são transferidos das economias centrais para as economias periféricas e emergentes, gerando lucros extraordinários por meio das rendas tecnológicas monopolistas.
  3. Novas formas de controle e apropriação dos produtos do trabalho científico por corporações multinacionais, por várias formas de terceirização, associação, gestão e diversificação do capital de risco. Esse controle é estabelecido por um canal de mão dupla. Por um lado, por equipes de advogados familiarizados com o quadro institucional e operando as regras de patentes impostas pela OMPI e pelo TCMP, servindo os interesses das grandes empresas. Sob esse quadro regulatório complexo e intrincado (ver quadro 2), é praticamente impossível para inventores independentes registrar e patentear seus produtos de forma independente. Por outro lado, isso é feito por equipes de advogados e headhunters, prestadores de serviços utilizando investimentos estratégicos para se apropriar e ganhar controle sobre os produtos do intelecto geral.29

A maneira como grandes empresas multinacionais participam da dinâmica da inovação incubada e implementada pela matriz do Vale do Silício revela que, mais do que desenvolvimento voltado para as forças produtivas sociais, o capital monopolista opera como agente rentista que se apropria, sem participar do processo de produção, dos produtos do intelecto geral. Em outras palavras, os lucros extraordinários que constituem o leitmotiv do capital monopolista se tornam rendas tecnológicas no mesmo sentido que Marx atribui à renda da terra: a possibilidade de exigir uma parcela significativa do excedente social em virtude de possuir um produto – a patente – mas que não é adquirido por meio de um processo de produção que incorpora valor por meio do trabalho. Assim, na era dos monopólios generalizados, o capital deixa de ser um agente progressista no desenvolvimento das forças produtivas e passa a ser uma entidade parasitária que até mesmo decide, como dono da propriedade intelectual, quais produtos são potencialmente significativos no mercado e quais vão ficar congelados no freezer da história social. 30

  1. Uma expansão Norte-Sul da força de trabalho em áreas de ciência, tecnologia, inovação e matemática e um crescente recrutamento de força de trabalho altamente especializada das periferias por meio de práticas de terceirização e deslocalização. Nesse sentido, migração altamente especializada de países periféricos desempenham papel cada vez mais relevante nos processos de inovação globais, gerando uma dependência paradoxal e contraditória entre o Sul e o Norte global, onde inventores das patentes frequentemente vivem em países emergentes ou periféricos. De fato, essa tendência pode ser vista como parte de um novo estágio do desenvolvimento das cadeias globais de valor – o que preferimos chamar de redes globais de capital monopolista – como essa nova divisão internacional do trabalho sobe a cadeia do valor agregado até as esferas científica e tecnológica e enquanto o capital dá seus passos para capturar o lucro derivado da produtividade e conhecimento aportado por uma força de trabalho altamente qualificada do Sul Global. 31 Essa tendência é vista em diferentes setores da economia global, incluindo na biotecnologia e bio-hegemonia agrícola das lavouras transgênicas, e na apropriação de conhecimentos indígenas relacionados à tecnologia de sementes.

Uma peça-chave que apoia a nova geopolítica da inovação é a criação de um quadro institucional ad hoc voltado para a concentração e apropriação dos produtos do intelecto geral por meio das patentes sob a tutela e supervisão da OMPI em acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC). 33 Desde o fim da década de 1980, se observa uma tendência à construção de legislação nos Estados Unidos afinada com os interesses estratégicos de corporações multinacionais no campo dos direitos de propriedade intelectual. 34 Através das regras e regulamentos promovidos pela OMC, o escopo dessa legislação se expandiu significativamente. O Gabinete do Representante Comercial dos E.U.A tem assumido um papel de promover a assinatura e implementação de acordos de livre comércio, uma vez que disputas por propriedade intelectual dentro do sistema OMPI/OMC tendem a ser complexos por sua natureza multilateral. A estratégia dos EUA também inclui a negociação de acordos de livre comércio bilaterais como medida complementar de controle dos mercados e aumento dos lucros corporativos. As regulações estabelecidas pelo Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes, emendado em 1984 e em 2001 dentro do quadro da OMPI e da OMC, contribuiu para o fortalecimento dessa tendência.

In addition, according to the nature and characteristics of the Imperial Innovation System, the United States appears as the leading capitalist power in innovation worldwide, absorbing 23.9 percent of the total patent applications registered in the WIPO from 1996 to 2018. However, in the same period, China surpassed the United States in patent applications, with 23.1 percent compared to the U.S. 21.7 percent (Table 1).

Além disso, de acordo com a natureza e características do sistema imperial de inovação, os EUA aparecem como a potência capitalista líder em inovação, absorvendo 23,9% dos pedidos de patentes registradas na Organização Mundial da Propriedade Intelectual entre 1996 e 2018. No mesmo período, entretanto, a China ultrapassou os EUA em pedidos de patentes com 23,1% comparado com os 21,7% dos EUA (Tabela 1).

Tabela 1. Patentes requisitadas e concedidas: Total e 10 países principais, 1996–2018

Patentes Requisitadas Distribuição (%) Concedidas Distribuição (%) % Concedida
Total 45,361,224 100.0 19,447,764 100.0 42.9
Subtotal 37,412,593 82.5 15,696,151 80.7 42.0
China 10,497,318 23.1 3,138,160 16.1 29.9
EUA 9,862,774 21.7 4,646,826 23.9 47.1
Japão 8,627,834 19.0 4,093,992 21.1 47.5
Coreia do Sul 3,534,255 7.8 1,811,789 9.3 51.3
Alemanha 1,406,340 3.1 357,246 1.8 25.4
Canada 842,421 1.9 388,204 2.0 46.1
Federação Russa 831,702 1.8 622,539 3.2 74.9
Índia 652,043 1.4 130,933 0.7 20.1
Reino Unido 601,246 1.3 165,056 0.8 27.5
Austrália 556,660 1.2 341,406 1.8 61.3

Fonte: SIMDE-UAZ. Estimativas usando dados da OMPI, 1996–2018

Na era dos monopólios generalizados, o desenvolvimento das forças produtivas entrou um ponto de não retorno no qual as contradições entre progresso e barbárie encarnado na modernidade capitalista se tornaram mais claras do que nunca. A missão histórica do progresso atribuída ao capitalismo no desenvolvimento das forças produtivas da sociedade transformou-se em seu oposto: um caminho regressivo que ameaça a humanidade e a natureza. Nesse contexto, a atual disputa entre Estados Unidos e China é ainda incerta. Enquanto alguns sinais indicam que os EUA ainda mantêm a liderança no campo estratégico da inovação, a China vem ganhando terreno e disputando a proeminência científico-tecnológica e a hegemonia global dos EUA. Sob essas condições, nesse cenário de disputa, a pandemia do COVID-19 abre uma série de dúvidas, onde a única certeza é a incerteza.


Notas

  1. Samir Amin, The Implosion of Contemporary Capitalism (New York: Monthly Review Press, 2013).
  2. David Harvey, A Brief History of Neoliberalism (Oxford: Oxford University Press, 2005).
  3. Karl Marx, chap. 6 in El capital (1867; repr. Mexico: Siglo XXI, 1981), 60.
  4. Marx, chap. 6 in El capital, 76.
  5. Karl Marx, El capital, tomo 1, vol. 3 (1867; repr. Mexico: Siglo XXI, 2005), 804.
  6. Victor Figueroa, Reinterpretando el subdesarrollo: Trabajo general, clase y fuerza productiva en América Latina (Mexico: Siglo XXI, 1986), 40.
  7. Harry Braverman, Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth Century (New York: Monthly Review, 1998), 118.
  8. Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política 1857–1858 (Grundrisse), tomo 2 (1858; repr. Mexico: Siglo XXI, 1980), 229–30.
  9. Antonio Gómez Villar, “Paolo Virno, lector de Marx: General Intellect, biopolítica y éxodo,” SEGORÍA: Revista de Filosofía Moral y Política 50 (2014): 306.
  10. Figueroa, Reinterpretando el subdesarrollo: trabajo general, clase y fuerza productiva en América Latina, 41.
  11. Antonio Negri, Marx más allá de Marx (Madrid: Akal, 2001).
  12. Bolívar Echeverría, Antología: Crítica de la modernidad capitalista (La Paz: Oxfam, Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, 2011): 78–79.
  13. Pablo Míguez, “Del General Intellect a las tesis del Capitalismo Cognitivo: Aportes para el estudio del capitalismo del siglo XXI,” Bajo el Volcán 13, no. 21 (2013): 31.
  14. Guillermo Foladori, “Ciencia Ficticia,” Estudios Críticos del Desarrollo 4, no. 7 (2014): 41–66.
  15. Julián Pinazo Dallenbach and Raúl Delgado Wise, “El marco regulatorio de las patentes en la reestructuración de los sistemas de innovación y la nueva migración calificada,” Migración y Desarrollo 27, no. 32 (2019): 52.
  16. Míguez, “Del General Intellect a las tesis del Capitalismo Cognitivo,” 39.
  17. Echeverría, Antología, 173.
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