Capitalismo de Plataforma. Das fábricas aos celulares: inovações exploratórias do capital.

Por Agnello Camarero Oliveira (militante UJC/PCB) e Liandra Vitória Cunha de Sousa (militante UJC/MUP), ambos estudantes de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Elevar o debate, pensemos como Marx e Engels

No ano de 1789, em meio à Revolução Francesa, urge o ponto final do absolutismo monárquico e os restos assombrosos do feudalismo, em meio às guilhotinas, estava sendo anunciado o início de uma nova era: a Era do Sistema Capitalista que, segundo o dicionário, é definido como um sistema de produção cujos fundamentos são a empresa privada e a liberdade do mercado, sendo o objetivo principal a obtenção de lucro. Apenas a definição do dicionário, porém, não é capaz de nos mostrar e nos contar que o capitalismo avançaria e o faria de forma independente de qualquer coisa ou pessoa, visando aumentar a lucratividade da burguesia ou do capitalista.


Tendo isso em vista, pode-se recorrer à Karl Marx e Friedrich Engels pois, como filósofos, economistas e juristas, estudaram a fundo a Economia Política e o avanço histórico do se chama Economia, chegando a criar, a partir desse estudo, uma metodologia para guiá-lo, o Materialismo-Dialético-Histórico (ou Materialismo Histórico e/ou Dialético) que, de forma simplificada, chama-se “Materialismo” pois estuda as condições materiais da realidade e desconsidera fatores metafísicos (algo que era comum nas análises do principal contribuidor do método dialético, o Georg Wilhelm Friedrich Hegel), “Dialético” pois considera que todos os fatores existentes na realidade concreta/material se relacionam de maneira direta e indireta e, acima de tudo, de forma a influenciar a realidade (uma definição de dialética que pode cooperar para facilitação do conceito é a do rio que flui: imagine um rio correndo onde a água representaria os fatos e/ou os acontecimentos, ideias, ideologia, entre outros, a nascente representa a humanidade e as margens e o fundo as delimitações de tudo isso sendo que essa delimitação seria o período histórico, uma determinada sociedade, um determinado modo produtivo e assim vai) e ,não menos importante, “Histórico” pois toda a concretude, toda a realidade, todos os conflitos (entenda conflito como dialética) está delimitado diretamente em um período histórico da existência humana.

Por fim, após a exposição de um brevíssimo histórico do sistema capitalista e também de uma breve explicação do que seria o Materialismo-Dialético-Histórico, podemos chegar à afirmação, essa que já é senso comum, de que Marx e Engels estudaram o sistema capitalista e não só o fizeram de forma superficial, mas sim de tal maneira aprofundada que, até os dias atuais, são consideram e de fato se tornaram os maiores estudiosos do tema. Chegamos, então, à conclusão de que a metodologia marxiana ainda é útil e efetiva para a análise de nossa realidade, partindo da luta de classes e, para além deles, inúmeros marxistas e marxianos melhoraram e aprofundaram mais ainda seus estudos com o passar dos anos, sendo alguns deles: Ricardo Antunes, Sergio Lessa, Ivo Tonet, Jorge Grespan, Maria da Conceição Tavares, Marilena Chauí, entre inúmeros outros que são base para analisarmos o Capitalismo de Plataforma, a luta de classes e a dialética marxista (tendo em vista que a dialética será usada como método).

Das fábricas aos celulares: inovações exploratórias do capital

Para analisarmos a nova forma que o capitalismo está assumindo e, com essa nova forma, uma nova categoria e forma de trabalho, é preciso que entendamos o que é trabalho segundo a teoria marxista, que é uma tarefa muito simples: “trabalho é a forma com que o homem se relaciona com a natureza e transforma a mesma para um fim de utilidade”. O que entendemos com essa frase inscrita no livro “O Capital” de Marx? A resposta é simples, trabalho é a transformação da natureza feita pelo homem para alguma finalidade, um exemplo: uma mulher que vivia no feudalismo e que sua função dentro do feudo era colher batatas, tendo em vista a dificuldade de colher inúmeras batatas somente com as mãos, ela confecciona uma bolsa de couro funda o bastante para coletar o número necessário de batatas. Sendo assim, a função do trabalho é suprir uma necessidade desde o labor até o lazer (vamos desconsiderar o trabalho improdutivo ou vulgarmente chamado de intelectual). Porém, com o avanço dos meios de produção (o ambiente onde o trabalho é exercido e onde ocorre a divisão social do trabalho) chegamos no sistema capitalista, sistema esse que deturpa o trabalho para colocá-lo a serviço não das necessidades humanas, mas sim a serviço do lucro. E o que significa isso? Significa que as necessidades humanas básicas não serão supridas? Significa que um celular não é útil? Ou que os capitalistas burgueses são malvados? Para todas as perguntas, a resposta é não, o que meramente significa é exatamente o que está escrito acima: os meios de produção avançaram, um novo sistema de produção se desenvolveu historicamente e cabe uma análise crítica de tudo isso e a crítica reside exatamente em dois pontos: alienação e exploração de mão de obra da grande maioria da sociedade que nunca acessará minimamente todo o capital produzido por essa mesma massa.

Alienação, dentro da teoria marxista, é uma constante, desde os porquês da sua existência até os seus mecanismos, mas usaremos aqui uma afirmação simples, pedagógica e correta: alienação é o estranhamento do homem diante o seu próprio trabalho, ou seja, se antes do capitalismo o humano “se via em seu trabalho” compreendia de maneira epistemológica e dialógica o porquê de seu trabalho e a necessidade do mesmo o capitalismo o tirou essa capacidade, simplesmente porque o trabalho socialmente produzido não pertence a grande e heterogênea classe trabalhadora que produziu aquele trabalho e porque não pertence? Um trabalhador que constrói um carro não pode comprar um? Quando trazemos esta premissa de que não pertence a classe que produz não queremos dizer que determinado operário pode ou não comprar determina peça montada pelo mesmo, essa premissa quer dizer: o operariado enquanto classe não obtém os fins daquele determinado produto (tendo em primeiro plano a distinção mercadoria x produto em “O Capital”) e falar em fins de um produto no capitalismo é falar de capital e meios de produção e aí reside as quatro (por motivos de simplificação utilizaremos a definição genérica já explicitada) categorias de alienação no socialismo cientifico. E, para além disso, temos que compreender a questão da exploração do trabalho que reflete e causa ao mesmo tempo da alienação, pois ambos têm ligação dialética e dialógica. A exploração do trabalho é simples, o burguês precisa de alguém para trabalhar então ele contrata inúmeras pessoas para trabalhar para ele em seu meio de produção, onde ele, para obter o lucro, extrai o mais-valor (mais-valia, plusvalor), ele não extrai diretamente de um ou outro salário ele extrai esse mais valor sobre o trabalho socialmente produzido em seu meio de produção.

Agora a grande questão, onde que tudo isto já explicitado se liga com o capitalismo de plataforma e luta de classes? O capitalismo surgiu em meados do século XIII, hoje estamos no século XXI e é óbvio e claro que o capitalismo evoluiu e evolui com os avanços tecnológicos, militares e estruturais gerados e utilizados nele. O que podemos observar hoje? Inúmeras empresas como: Amazon, Ifood, Uber, Buser, Google e muitas mais oferecem serviços e para além disso não só serviços virtuais, agora oferecem serviços para além do ambiente virtual, transportadoras, transporte particular, etc e obviamente esse avanço no “modus operanti” do capitalismo teve reflexo direto em toda sociedade, e com um recorte bem mais especifico, na classe trabalhadora pertencente a esta sociedade, classe trabalhadora que em sua grande maioria não tem formação acadêmica e um pouco menos em números sem ensino básico. Por que fazer esse recorte específico? Porque hoje, o agora, o neoliberalismo avança com políticas desregulatórias sobre o trabalho, o desemprego surge mesmo em períodos de estabilidade econômica (que estão ficando cada vez mais raros), as últimas duas grandes crises capitalistas não foram superadas no mundo (1980 e 2008) e ainda refletem em todos os países, o neocolonialismo avança novamente sobre os países periférico e distantes do grande centro do capital, entre inúmeros motivos este recorte é o mínimo que se deve fazer para compreender o capitalismo de plataforma. Com tudo explicitado acima é de se pensar que inúmeras pessoas foram jogadas no desemprego e que viram como oportunidade, principalmente graças aos discursos anti leis trabalhistas ou com a falácia do empreendedorismo de “seja patrão de si mesmo”, recorrer as novas empresas digitais, como Uber, como via para fuga do desemprego e o risco de cair na miséria e fome, porém essas empresa não oferecem vínculos empregatícios (nem mínimos), não oferece seguros, não oferece nada além de longas jornadas de trabalho, um pagamento miserável e grandes lucros sobre uma nova categoria de trabalhadores que são os “operários do futuro” ou simplesmente os infoproletariados, homens e mulheres que trabalham para essas empresas e enfrentam cada vez mais um precarização selvagem sobre o seu trabalho e de suas vidas (inclusive com efeitos psicológicos danosos até maiores do que nos tempos das fábricas do século XIX).

De acordo com os termos do artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas brasileira, para que haja o reconhecimento de um vínculo empregatício, única forma de assegurar algum tipo de direito ao indivíduo pertencente à classe trabalhadora, é preciso que estejam presentes certos requisitos, sendo eles: trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.

Dessa forma, por exemplo, a 5ª turma do Tribunal Superior do Trabalho compreendeu de forma unânime, a inexistência de vínculo de emprego entre um motorista de Guarulhos (SP) com o Uber, já que, de acordo com uma análise que claramente serve a um interesse da burguesia e protege a maior lucratividade de empresas como essa, a possibilidade de o motorista ficar off-line indicaria ausência de subordinação. Apesar disso, o trabalhador uberizado continua inserido em uma lógica de dominação e controle pela classe hegemônica, ele continua tendo a mesma posição no sistema capitalista de alienação de seu trabalho, a não existência de um local físico serve apenas para que empresas possam burlar as leis trabalhistas que, mesmo que de forma ínfima, possibilitam a diminuição do lucro dessa empresa, possibilitando, então, uma redução de custos.

O capitalismo de plataforma, por tanto, inicia um novo momento em que o capital, como relação social, se desenvolve por meio da transferência da gestão de riscos da empresa para o trabalhador já em situação precarizada e de subemprego. A uberização do trabalho, fenômeno que se torna possível por meio do capitalismo de plataforma, se apresenta de forma a aprofundar a exploração do proletariado, tendo o interesse, inclusive, de desmobilizar politicamente a classe trabalhadora. Podemos facilmente chegar a conclusão por meio da exposição acima que o Estado Neoliberal serve ao interesse da classe dominante, esse que se encontra, via de regra, ao lado oposto do interesse do trabalhador.

Isso fica ainda mais claro quando nos deparamos aos dados coletados pela Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que acompanhou 103 entregadores nas cinco regiões do Brasil: trabalhadores que têm na entrega por meio dos aplicativos sua única ocupação e fonte de renda, realidade essa encarada por 70% dos entrevistados, possuem jornada semanal de 64,5 horas (ou 10 horas e 24 minutos por dia), atuando 6,16 dias semanais, sendo que para 40% deles, o trabalho é feito todos os dias da semana e, por fim, também foi exposto nesta pesquisa o fato de que, mesmo trabalhando de forma exaustiva e com raros dias de descanso, 51,7% desses trabalhadores recebem, por hora, menos do que o equivalente a um salário mínimo.

A fábrica do futuro não tem mais chaminé, mas sim 5g e uma tela “touche” e além disso a nova fábrica não para com um acidente de trabalho, tão pouco com greves, mas aqui não é o espaço para tal reflexão, mas estas pequenas conclusões ajudarão na compreensão de luta de classes. Quando recorremos ao Manifesto do Partido Comunista e 18 de Brumário de Luís Bonaparte de Marx e Engels vemos que a luta de classes é uma constante em todas as sociedades, pois em todas as sociedades existentes reside duas classes com interesses antagônicos o qual ambas as classes disputam a hegemonia de um período histórico. Sendo assim onde está a luta de classe no século XXI basicamente assim: classe trabalhadora (classes médias, profissionais liberais, infoproletarios, camponeses, proletários, etc) versus a burguesia (1% de toda a população mundial a qual por meio de sua influência, graças os recursos financeiros que possuem, dominam e determinam os rumos das sociedades), e, para além, segundo os marxistas, a solução para as mazelas do capitalismo é o comunismo, sistema que tem como período transicional o socialismo, onde a classe trabalhadora se apoderara do poder político e estrutural do Estado e fará as transformações necessárias para chegar-se no comunismo

Referências Bibliográficas

Marx K.; Engels F. – Manifesto do Partido Comunista

Grespan J. – Marx: uma introdução

Lessa S.; Tonet I. – Introdução à filosofia de Marx

Antunes R. – Dialética do Trabalho: Escritos de Marx e Engels

 Benso A. – Capitalismo de plataforma: desafios e alternativas para a gestão publica

Pinheiros M. S. S. – Uberização: a precarização do trabalho do capitalismo contemporâneo

Antunes R. – O privilégio da servidão: O novo proletariado de serviço na era digital

Antunes R.; Braga R. – Infoproletários: Degradação real do trabalho virtual

https://www.dicio.com.br/capitalismo/

https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/para-subverter-o-capitalismo-de-compartilhamento/

https://outraspalavras.net/outrosquinhentos/para-entender-e-enfrentar-o-capitalismo-de-plataforma/

https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/uber-e-a-superexploracao-do-trabalho-precarizado/

https://www.eco.unicamp.br/remir/index.php/component/tags/tag/capitalismo-de-plataforma

https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/para-vencer-a-distopia-da-exploracaodigital/

https://lavrapalavra.com/2020/02/28/reestruturacao-produtiva-do-capital-formas-contemporaneas-de-exploracao-da-classe-trabalhadora/

https://www.brasil247.com/blog/entregadores-de-aplicativos-sem-direitos-trabalhistas-e-acidentes-de-trabalho-considerados-como-de-transito

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/06/entregadores-de-app-tem-jornada-de-645h-semanais-na-pandemia-diz-pesquisa.htm

Compartilhe:

1 comentário em “Capitalismo de Plataforma. Das fábricas aos celulares: inovações exploratórias do capital.”

  1. Excelente texto!! O assunto acerca do tema urge a atenção dos comunistas. As novas relações e formas nas quais se estruturam o trabalho, extremamente precarizado, estruturam a realidade – cada vez mais dura – da classe trabalhadora. Só a luta muda a vida!! Venceremos!!

    Responder

Deixe um comentário