Revolução e contrarrevolução no Cazaquistão

Por Gabriel Landi Fazzio

Uma onda nacional de greves dos operários petroleiros e mineiros se alastra pelo Cazaquistão (uma greve que atinge tanto multinacionais ocidentais quanto empresas asiáticas) e se desdobra em uma imensidão de protestos de massas nas ruas e ocupações de edifícios do governo burguês.

As reivindicações? Redução do preço do gás combustível, garantia do direito de greve e de organização sindical independente, a renúncia do presidente que dirigiu por décadas a restauração capitalista no país. Os comunistas incidem na luta exigindo a legalização das atividades do banido Partido Comunista do Cazaquistão e do Movimento Socialista do Cazaquistão! Os petroleiros de Janaozen (onde Conselhos Operários já se formaram, no calor da luta, como autoridades organizadoras do levante popular) demandam a nacionalização de toda a indústria extrativa e de grande escala do país sob controle operário!

Mas ainda assim, muitos militantes proletários em todo o mundo demonstram compreensível receio com tal processo de luta, e com os riscos de sua utilização pelo imperialismo ocidental. Mas será mesmo justo comparar desde já a revolta ucraniana, pró-Ocidente desde seus primeiros lances, e na qual o papel de força motriz do movimento foi desempenhado pelos neo-nazi… com uma luta iniciada pela classe operária grevista em torno de reivindicações econômicas dos trabalhadores? E, ainda há aqueles que, beirando o reacionarismo, levem a comparação vai ainda mais longe, igualando ambos processos com… o Junho de 2013 brasileiro! (Sobre isso, vide a brilhante síntese crítica do camarada Jones Manoel)

É compreensível que os reformistas, que não têm a menor confiança na capacidade da classe operária de reorganizar a sociedade por suas próprias mãos, vejam por trás de toda e cada revolta espontânea a hidra da sedição, do golpismo, da conspiração burguesa estrangeira, e nada mais. É evidente, também, que SEMPRE, em todo processo de luta de massas, é possível um desfecho de cooptação e derrota. Mas não há nada de sensato em fechar os olhos para as nuances e potenciais distintos das explosões espontâneas em cada contexto concreto. Ao contrário: tratar toda rebelião espontânea fora do Ocidente, automaticamente, como uma “revolução colorida”, é mera prova de “daltonismo” político – afinal, denunciamos as “revolução coloridas” insufladas e capturadas por tal ou qual potência imperialista não para nos rendermos ao reformismo ingênuo, mas para lutar por uma Revolução Socialista, VERMELHA.

Como alertava Gramsci: “Descuidar – e mais ainda, depreciar – os movimentos chamados espontâneos, ou seja, renunciar a dar-lhe uma direção consciente, a elevá-los a um plano superior inserindo-os na política, pode amiúde ter consequências sérias e graves. Ocorre quase sempre que um movimento espontâneo das classes subalternas coincide com um movimento reacionário da direita da classe dominante, e ambos por motivos concomitantes: por exemplo, uma crise econômica determina descontentamento nas classes subalternas e movimentos espontâneos de massas, por uma parte, e, por outra, determina complôs dos grupos reacionários, que se aproveitam da debilitação objetiva do governo, para intentar golpes de estado. Entre as causas eficientes destes golpes de estado há que se incluir a renúncia dos grupos responsáveis em dar uma direção consciente aos movimentos espontâneos para convertê-los assim num fator político positivo”.

Ou, como nos dizeres ainda mais oportunos de Lênin:

“Quem quer que chame tal rebelião de ‘putsch’ ou é um reacionário obstinado, ou um doutrinário sem esperanças incapaz de enxergar uma revolução social como um fenômeno vivo. Imaginar que uma revolução social é concebível sem as revoltas das pequenas nações nas colônias e na Europa, sem as explosões revolucionárias de um setor da pequena-burguesia com todos seus preconceitos, sem um movimento do proletariado politicamente não-consciente e massas semiproletárias contra a opressão de seus latifundiários, da Igreja, e da Monarquia, contra a opressão nacional, etc. – imaginar isso é condenar a revolução social. Então, um exército se enfileira em um local e diz ‘Nós apoiamos o socialismo’, e outro, em outro local qualquer, diz ‘Apoiamos o Imperialismo’, e isso será uma revolução social! Apenas aqueles que têm uma visão tão ridiculamente pedante podem difamar a rebelião irlandesa chamando-a de ‘putsch’. Quem espera uma revolução social ‘pura’ nunca vai viver para vê-la. Tal pessoa fala tanto de revolução sem entender o que é uma revolução.

A Revolução Russa de 1905 foi uma revolução democrático-burguesa. Consistiu em uma série de lutas, onde todas as classes descontentes, grupos e elementos da população participaram. Entre esses, estavam as massas que possuíam os preconceitos mais grosseiros, com os objetivos mais vagos e fantasiosos de luta, havia pequenos grupos que aceitaram dinheiro japonês, havia especuladores e aventureiros; etc. Mas objetivamente, o movimento de massas estava desestabilizando o czarismo e pavimentando o caminho para a democracia; por esse motivo os operários com consciência de classe o lideraram.

A revolução socialista na Europa não pode ser outra coisa senão uma explosão de uma luta de massas por parte de todos os diversos elementos descontentes e oprimidos. Inevitavelmente, segmentos da pequena-burguesia e dos trabalhadores atrasados irão participar nela — sem tal participação, a luta de massas é impossível, e sem ela, a revolução é impossível — e quase que inevitavelmente eles trarão para o movimento seus preconceitos, suas fantasias reacionárias, suas fraquezas e seus erros. Mas objetivamente, eles irão atacar o capital, e a vanguarda consciente da revolução, o destacamento avançado do proletariado, expressando essa verdade objetiva de uma luta de massas variada e discordante, heterogênea e exteriormente fragmentada, será capaz de unir e dirigi-la, tomar o poder, expropriar os bancos, e os trustes que todos odeiam (ainda que por diferentes motivos!), e introduzir outras medidas ditatoriais que em sua totalidade equivalerão à derrubada da burguesia e a vitória do socialismo, que, no entanto, de nenhuma maneira, imediatamente se “expurgará” da escória pequeno-burguesa.”

Isso significa que devemos ser ingenuamente otimistas, ignorando a dramática situação em que se encontra o proletariado revolucionário cazaque, espremido entre violentas contradições inter-imperialistas? Jamais. Significa apenas que não se deve jogar a toalha antes mesmo de a luta começar. Todo apoio à luta da classe trabalhadora cazaque!

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