A Política de Finanças de um Partido Marxista-Leninista

Por gabo_seculo21

A política de finanças é eixo mais importante da ação política, especialmente para uma organização que pretende se colocar como uma vanguarda revolucionária. Essa importância tem uma determinação objetiva: uma política de finanças bem estruturada e consequente é o que permite a distribuição de panfletos, a impressão de um jornal, é o que paga a gasolina dos carros que levam aos atos, é o que compra esses carros e as casas para o Partido. Uma organização revolucionária pode ter o melhor delineamento de estratégia e tática, a melhor análise de conjuntura, mas se sua linha política não consegue alcançar as massas por conta de limites materiais, se ela não possui recursos, financeiros e humanos, para tocar as tarefas planejadas, ela é completamente inoperante na luta de classes. Produzir bandeiras, lambes, ter uma sede, manter o aparato de um Partido revolucionário, tudo isso custa, e custa muito caro. Além disso, o Partido revolucionário deve ter uma boa condição financeira para avançar na profissionalização de seus militantes. É evidente que manter uma burocracia partidária eficiente e garantir a dedicação exclusiva dos dirigentes requer uma alta captação de recursos adequados à garantia de seu bem-estar material. A política de finanças é, portanto, o pressuposto geral da construção de um Partido revolucionário profissional que busca influenciar e disputar o sentido da luta de classes.

Entretanto, a despeito da centralidade que apontamos, a política de finanças é sumariamente escanteada na maior parte das organizações revolucionárias. Os motivos para isso são vários. Uma política de finanças avançada depende de um alto grau de organização e racionalização das tarefas, típicas da forma organizacional leninista que foi duramente atingida pela crise do socialismo nos anos finais do século XX. E a perda não foi só de know-how, mas principalmente material: a derrubada dos Partidos Comunistas levou à destruição do aparato construído ao longo de décadas, inclusive daqueles dedicados à captação de recursos. No Brasil, o enfraquecimento e tentativa de liquidação do PCB levaram à usurpação de lojas, bares e prédios, editoras e gráficas que serviam como fonte de finanças para a máquina partidária. Além disso, o aparecimento subsequente de novas formas de organização “descentralizadas” minou a capacidade de formulação de políticas de finanças adequadas para além daquelas vinculadas ao acesso à máquina pública, o que colocou desvios importantes de que falaremos mais à frente.

Vale notar também que, ainda que a forma leninista de Partido esteja ganhando força nos últimos anos, a própria via de subsistência do marxismo na América Latina, que ficou por anos entocado por anos nas ruelas universitárias, levou a um déficit do debate sobre as vias de organização da classe, inclusive dos aspectos financeiros desta organização. Isso significou que a circulação dessas ideias revolucionárias se limitou à estratos de classe em que a militância não é objetivamente bloqueada pela falta de recursos. A política de finanças só volta a ser urgente na medida em que as massas trabalhadoras voltam a se radicalizar e as vanguardas avançam em seu giro proletário. Ao mesmo tempo, a reestruturação do mundo do trabalho e a proliferação de PJs, MEIs e terceirizados minou não só vias clássicas de organização e luta, mas de captação de recursos: isso é evidente para as frentes sindicais, mas impacta também os Partidos Comunistas.

Daí que, a despeito de sua centralidade crescente em um mundo do trabalho pauperizado, a política de finanças seja uma das frentes de mais difícil avanço para as organizações revolucionárias. No dia a dia, a captação de recursos tende a se basear nas contribuições pessoais de seus militantes, tanto diretamente mediante as cotizações quanto indiretamente pelas campanhas de vendas limitadas à própria base partidária (rifas, venda de camisetas, os famigerados bottons). Esse tipo de prática impõe limites sérios sobre a capacidade de arrecadação e coloca sobre o ombro dos camaradas o peso de financiar a própria militância. Em geral, mesmo quando excedem o marasmo cotidiano, as políticas de finanças assumem caráter reativo, como uma resposta atropelada à alguma urgência. Esse caráter impede o planejamento de uma política séria e diversificada, e via de regra se utiliza dos mesmos instrumentos de sempre. A rifa, nesse caso, é o maior exemplo dessa tacanhice universal.

A falta de profissionalismo em lidar com a política de finanças e a ausência de noções básicas de contabilidade, de precificação e de análise de mercado levam a um gasto imenso de recursos e energia militante em políticas que têm retorno irrisório. Camisas que custam 35 reais para fabricação e são vendidas a 40 reais são um exemplo desse absurdo: exigem um esforço significativo de vendas para se conseguir margens minúsculas. E ainda são limitadas em termos de alcance: quem vende bonés com os perfis de Marx, Engels, Lênin e Stálin pode até vender umas 40 unidades, mas não vai vender 400. Se limitar a materiais que guardam uma identidade política limitada não só reforça a tendência de subtrair todos os recursos financeiros de seus militantes, mas limita o alcance da política como um todo. Claro que temos que produzir materiais partidários a preços acessíveis, que a política de finanças pode se fundir com a agitação e propaganda, com a construção de uma identidade organizativa, mas essa não pode ser o núcleo de uma política de finanças. A necessidade de recursos adequados para tocar a política revolucionária impõe que se rompam os limites estreitos de uma política de finanças exclusivamente militante, e exige um pragmatismo e ousadia que podem muitas vezes convergir para um caminho conspirativo. Claro que é importante vender materiais e blusas com slogans de esquerda, mas o Partido deve ter bares, lojas de conveniência. Devemos organizar saraus e festas comunistas, mas também devemos estar inseridos em cada feira de bairro, em cada arraia de festa junina.

Neste quadro, as consequências mais imediatas da ausência prática da política de finanças por um Partido revolucionário são óbvias: falta dinheiro para panfletos, para a gasolina. A organização partidária é afetada pela escassez de militantes profissionais. Os camaradas com papel importante na organização interna têm que se inserir no mercado de trabalho, o que interfere na disponibilidade de tempo para as tarefas e portanto, na própria eficiência política e burocrática da organização revolucionária. Indo além, a ausência de uma política de finanças séria leva à um sério desvio liberal na organização de um Partido marxista-leninista, para além de todos limites em termos de recursos materiais e humanos. Isso porque, conforme argumentamos, a lógica imperante é a de que é o militante que financia a organização, e não a organização que dá o suporte material para que o camarada realize plenamente sua militância. Isso, aliado aos recursos escassos, impõem um bloqueio à militância dos camaradas mais pobres. Quem não tem dinheiro para pegar o ônibus não vai até o ato, não frequenta a reunião de célula. A grande contradição é que se deve ser materialmente estável para militar com qualidade. E isso, em um momento de crise, significa o afastamento dos camaradas desempregados, que ou não têm dinheiro ou são obrigados a se dedicar à intensas jornadas de trabalho em ocupações ultra-palperizadas que os impedem de atuar politicamente. Além disso, são os mais pobres os que assumem grandes responsabilidades de prover materialmente sua família e os mais propensos ao adoecimento mental, consequentemente ao afastamento das atividades partidárias.

Ao vincular a possibilidade de militância a uma boa saúde financeira, esse desvio afeta a capacidade de firme inserção dessa organização nas camadas mais pauperizadas, impede a distribuição adequada das tarefas e obstaculiza o próprio funcionamento do centralismo democrático. A tarefa de um Partido revolucionário deve ser de empregar como militantes profissionais os camaradas desempregados, fazendo convergir sua militância com sua subsistência material. E essa linha é ainda mais bem aproveitada caso esses militantes sejam direcionados para tocar profissionalmente atividades de finanças. O Partido como empregador de última instância de seus quadros destacados é um horizonte em prol de sua profissionalização crescente. Ou seja, o bom funcionamento do centralismo democrático e o horizonte de profissionalização do partido são materialmente balizados por uma boa política de finanças.

A política de finanças deve ser tocada de maneira profissional pelo Partido, realizada tal como todas as outras tarefas: proposta, discutida e realizada coletivamente. É a contribuição de todos os camaradas na venda de materiais, na organização de eventos, que vai dar base à captação dos recursos necessários para o embasamento de sua militância também coletiva. É o Partido que deve financiar o militante singular, e não o contrário. Assim se rompe com possíveis desigualdades em termos de disponibilidade, de democracia interna, do próprio sentir-se camarada dentro da organização. Da mesma maneira, a política de finanças deve ser incorporada no cotidiano partidário, de maneira a garantir um fluxo de recursos constante e adequado às diversas exigências. Assim, deve ser organizada a partir das células, racionalizada pelos secretários de finanças e tocada por toda a base. A cotidianidade é aqui um elemento central para a capacidade de planejamento de longo prazo, tanto dos recursos quanto dos gastos, e busca superar justamente o caráter reativo apontado. No mesmo sentido, devem assumir uma racionalidade e pragmatismo adequados. Ou seja, as atividades, quaisquer que sejam, devem ser organizadas para terem um lucro correspondem ao esforço aplicado. Vanguarda revolucionária não é caridade: devemos pensar em produzir materiais não só para difundir a estética do Partido, mas fundamentalmente para ganhar (muito) dinheiro. As finanças devem ser pensadas para superar os limites estritos de nossa atuação política, ampliando a capacidade de captação e retirando o peso sobre os gastos pessoais dos camaradas.

Outro tema importante é a autonomia que o Partido revolucionário deve assumir na política de finanças. Uma das vias mais interessantes de política de finanças é o acesso à máquina do Estado, principalmente via assunção de assessores, recursos de deputados etc. Mas isso pode se inverter e colocar uma dependência material da organização às eleições, o que tende a estreitar de seu horizonte político. Se um partido só consegue manter uma sede e liberar militantes por conta do acesso aos recursos públicos, isso significa que as eleições burguesas se tornam o pressuposto de sua existência enquanto organização. Elas assumem uma centralidade objetiva por conta da necessidade material, que determina também objetivamente um estreitamento de seu horizonte político ao secundarizar outras formas de luta. As eleições passam ser a via de existência material das organizações, portanto de sua própria existência, e não mais uma das vias de realização de sua tática política. Daí a capacidade de ter uma vida financeira autônoma é também um dos pressupostos de uma organização revolucionária, mesmo as que incluam a inserção institucional dentre suas táticas. Esse elemento, aliado à necessidade de se constituir externamente à máquina de repressão estatal, reforçam o caráter conspirativo já mencionado anteriormente.

Grande parte dessa autonomia financeira implica a (re)construção do aparato partidário, o que está em estreita conexão com a profissionalização tantas vezes mencionada. Quanto mais se trabalha para convergir a liberação de militantes com a ampliação da política de finanças, a aquisição de sedes com a inauguração de lojas, mais se avança na construção dos pressupostos materiais e organizacionais de um Partido revolucionário. A sua constituição enquanto vanguarda tem esses condicionantes objetivos. Ser consequente com a tática e estratégia depende de ser consequente com a construção da máquina partidária.

Evidente que, do ponto de vista da hierarquia partidária, isso tem consequências importantes. É a base que deve financiar o conjunto da organização ao incorporar as finanças em sua militância cotidiana. Estabelecer uma política de vendas, se inserir em feiras populares, organizar um pequeno negócio: tudo isso deve ser tarefa das células, tão cotidianas quanto a panfletagem ou a participação em atos. Assim, cabe aos dirigentes locais responsáveis pela política de finanças a racionalização da ação coletiva das instâncias de base, seus gastos, e a efetuação do repasse de parte dos recursos arrecadados para as instâncias superiores. Tais camaradas são, desta maneira, os principais responsáveis por avançar o caráter cotidiano desta política.

Quanto aos dirigentes regionais e nacionais, estes não são só encarregados da gestão dos recursos repassados, mas de toda a operacionalização da política de finanças da totalidade do complexo partidário: alcançar as metas de arrecadação e gastos democraticamente definidas, avançar a formação do conjunto do complexo partidário para a operação da política de finanças revolucionária, difundir métodos de precificação de arrecadação bem-sucedidos, construir um sistema de repasses e contabilização eficiente e seguro. Dentro dessa administração financeira é importante que as direções trabalhem com políticas de circulismo interno, em que os recursos repassados pela base sejam em algum grau redistribuídos (especialmente mediante a compra de materiais coletivamente utilizados), para que sejam amenizadas as desigualdades determinadas pelo diferente perfil profissional e regional das células. Por fim, e mesmo que o grosso da política de finanças deva ser tocada a partir de cada célula, isso não exime os dirigentes regionais e nacionais da responsabilidade de executarem políticas que por sua própria natureza (volume de gastos, tamanho de mercado) são necessariamente nacionais: a organização de uma editora oficial, por exemplo. O que queremos reforçar aqui é que a política de finanças é uma responsabilidade da base, em sua discussão e operação cotidianas.

Claro que o tipo de política de finanças mais adequado depende da realidade de cada célula, e as linhas gerais de organização que defendemos aqui somente podem ser alcançadas por meio de uma construção que demora tempo. A despeito de todas as dificuldades, esse é um caminho incontornável para a proletarização e profissionalização de um partido marxista-leninista.

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