Sobre a aprovação de uma nova assembleia constituinte no Chile

Por Henrique Suricatto

Neste último domingo (25) o plebiscito convocado pelo governo chileno em resposta as reivindicações dos manifestantes que tomam as ruas desde a insurreição de Novembro de 2019 contra o sistema capitalista foi realizado depois de seguidos adiamentos por conta da Pandemia do novo Coronavírus.


Se tratando de uma reivindicação antiga dos lutadores chilenos, a nova assembleia constituinte composta por eleitos para a sua exclusiva elaboração foi conquistada ontem num plebiscito onde mais de 70% dos votos confirmaram o inicio do fim da atual constituição vigente, redigida durante a ditadura militar neoliberal de Augusto Pinochet (1973-1990) mantida durante a redemocratização por ser um eficiente instrumento de legitimidade do saque da força de trabalho das massas trabalhadoras chilenas em todas as esferas da vida, tornado esse estado modelo de “desenvolvimento econômico” para toda a América Latina, um verdadeiro purgatório para os trabalhadores e demais precarizados da sociedade chilena como os povos originários.

É de conhecimento público dos revolucionários latino americanos a convulsão social constante que se arrasta no Chile há tempos, com pequenas explosões sociais á insurreições que não conseguiam levar processos de luta pra além do espontaneísmo.

Salvo algumas vitórias pontuais, como na revolta dos pinguins de 2006, esse ciclo de explosões sociais eram duramente reprimidas e sufocadas pelas forças dirigentes. Não funcionou em 2019, quando na rasteira das demais explosões sociais na América Latina – com destaque ao Equador – levou massas de estudantes a se revoltarem com o aumento das tarifas de transporte, a medida que a repressão avançava a adesão de amplas massas trabalhadoras e várias forças sociais marginalizadas da sociedade chilena colocaram-se em luta para combater o governo Piñera e ali estava formando-se no calor das lutas um combate ao capitalismo sem que muitos ali presentes nas ruas tivesses consciência de contra quem exatamente estavam lutando, com a ataques a empresas, bancos, instituições administrativas e aos símbolos mais vulgares da sociedade capitalista, mas (ate onde me chega os informes) não havia uma correspondência direta na formação de organizações coletivas, com algumas exceções pontuais, ficando no mero espontaneísmo.

Isso obviamente deixa reféns das palavras de ordem anteriormente construídas na sociedade chilena. Nas forças sociais mais progressistas, é comum a apologia ao governo da Unidade Popular de Salvador Allende (1970-1973), seja seus avanços, seja as suas limitações, por isso a sua constante recordação. Como o legado de Pinochet nunca foi superado a fundo na política chilena, sintetizada na permanência desta Constituição, era comum que a principal palavra de ordem, contemplada por essas forças sociais colocadas em movimento contra o governo Chileno pelos mais variados motivos fosse a elaboração de uma nova constituinte que enterrasse o legado de Pinochet na administração do estado.

No fundo, essa reivindicação-mor reflete o grau atual de maturidade tanto dos trabalhadores chilenos quanto de suas vanguardas, fortemente impactadas pelo refluxo no Movimento Comunista Internacional, da liquidação das vanguardas socialistas e comunistas durante a ditadura e o oportunismo dos social democratas que ocuparam o poder nestes últimos anos e promoveram o rebaixamento da consciência e das organizações de classe, vide Bachelet e sua permanente chantagem de promover uma nova constituinte nunca concretizada.

Se por um lado, é necessário celebrar a conquista desse avanço na luta de classes no Chile, por outro, o processo constituinte impõe novos desafios aos revolucionários locais, sobretudo no que tange as suas limitações mais do que naturais de um processo tocado dentro das instituições burguesas, pois tal processo não tocará nos princípios fundamentais da sociedade capitalista, como o direito a propriedade privada. A composição desta assembleia constituinte já está em disputa, ali pode ter o triunfo das forças contra-revolucionárias da ordem, sabendo ceder em alguns pontos e defendendo com unhas e dentes o que lhes vai garantir suas margens de lucro e manutenção de seus poderes, a batalha em torno dos Fundos de Pensão da Aposentadoria será a sua expressão mais vulgar deste conflito. No fundo, a tarefa principal que se coloca é expor as limitações da própria constituinte.

Penso que os revolucionários chilenos sabiamente não irão se limitar a girar as lutas e canalizá-las apenas para a construção desta assembleia, ao meu ver um erro grave. Sabem que precisam preservar na manutenção da pressão popular nas ruas e na construção e fortalecimento das organizações dos trabalhadores chilenos e das demais forças sociais chilenas historicamente reprimidas – como os Mapuche – para minimamente garantir na nova carta as conquistas sociais que tanto esses lutadores advogaram há décadas. Mas ao mesmo tempo, se valer desta mobilização permanente e na sua organização, preparar as estruturas necessárias para restabelecer o Poder Popular no Chile e finamente cumprir as já escancaradas tarefas históricas do proletariado chileno de tomar o poder. Para as forças dominantes, a própria constituição em futuros novos conflitos pode ser feita letra morta.

Sem ilusões, manter-se atento a realidade a sua volta, não ceder nenhum palmo a reação e preparar de uma vez por todas a vingança a aqueles que tombaram em 1973, esses são os desejos sinceros de um jovem revolucionário brasileiro com o atual processo chileno e que os trabalhadores e a juventude brasileira possa se inspirar em sua radicalidade e disposição de luta pra enfrentar os nossos próprios carrascos.


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